Petrolina (PE) — É do Vale do São Francisco que brota quase a totalidade da exportação brasileira de uvas de mesa para o mundo. O solo árido da caatinga é responsável por um importante nicho do agronegócio. Graças a projetos de irrigação e qualificação de agricultores desenvolvidos ao longo de décadas, essa região tem características que põem por terra a ideia de que as parreiras só dão fruto em terrenos de clima ameno. Pelo contrário, o calor ardente do sertão é sinônimo de riqueza.


“Este sol forte é o que deixa a fruta mais doce, desenvolve o Brix, que mede o grau de doçura da fruta. Aqui temos claridade o tempo inteiro e, irrigando o solo, produzimos as melhores frutas”, conta Fernando Galarza, gerente operacional da Zanlorenzi Bebidas, em Petrolina (PE).


A fábrica é uma das muitas que produzem vinhos, sucos e base de espumantes a partir das frutas cultivadas no sertão. “Enquanto no Sul temos uma colheita por ano, por conta do clima, aqui temos três ou quatro, porque o Sol está sempre presente”, compara Galarza.


A empresa Campo Largo, que está crescendo, produz apenas uma pequena parte das frutas que usa. A maior quantidade é comprada de produtores, como Edmílson Alves, de 56 anos. Dono de uma propriedade em Senador Nilo Coelho, em Petrolina, o agricultor dá continuidade a um trabalho de gerações.

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“Comecei a cultivar com meu pai. Tenho esta propriedade há 30 anos, plantando e colhendo uvas. Meu pai plantou o primeiro hectare, que depois ei a cuidar. Um dos meus filhos cursou agronomia e deve assumir a plantação”, relata.


A paixão familiar pelo cultivo é traço da agricultura. Do outro lado da ponte Presidente Dutra, que une Petrolina a Juazeiro (BA), a Fazenda Special Fruit, criada por Suemi Koshiyama, de 72 anos, também é tocada com ajuda de familiares.


Nascido no Japão, ele chegou ao Brasil em 1959, aos 5 anos. Em 1983, chegou ao sertão nordestino com a esposa Vanda, os três filhos e um sonho: produzir uva. “Eu acreditava que poderíamos prosperar aqui. Foi um tiro no escuro, mas deu certo”, conta.

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ados mais de 40 anos desse período desbravador, o nome de Suemi está estampado em milhões de caixas de frutas no Brasil, Europa, Coreia do Sul e Japão. A empresa exporta 24 milhões de quilos de frutas por ano e é responsável pela maior parte das mangas que o Brasil oferece para o mundo.
“São clientes de décadas. É uma relação de confiança muito difícil de ser construída e muito fácil de ser perdida”, conta o produtor.


Irrigação

A agricultura no Vale do São Francisco ou a crescer, principalmente, com os projetos de irrigação na região. Impulsionadas pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), empresa pública vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), foram plantados 39 perímetros de irrigação, com 125 mil hectares de área cultivada. A área é equivalente a 175 mil campos de futebol, a maior parte em Pernambuco e na Bahia.

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A estatal organiza o espaço por meio de cooperativas que atuam nos chamados Distritos de Irrigação. Eles funcionam como a istração de um condomínio e gerenciam a área irrigada dividindo-a por cada lote de terra, realizando melhorias no local, além de oferecer segurança e patrulha.


“Os Distritos de Irrigação transformam a economia local. Um pequeno produtor a a ter uma renda maior, porque o segredo de um projeto de irrigação é a segurança hídrica. É ela que garante produtividade maior e mais segura e, consequentemente, um aumento da renda. A qualidade da fruta também é controlada, o que permite exportá-la e agrega maior valor do produto”, explica a diretora de irrigação da Codevasf, Alessandra Cristina Rossin.


Para ela, as melhores condições de renda do produtor impactam toda a região. “A gente desenvolve uma série de cadeias na economia local, tanto no setor de hotelaria quanto em tecnologia e pesquisa. A gente tem parcerias com duas universidades federais e com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Além disso, o comércio é bem robusto, nós temos excelentes restaurantes, por exemplo”, completa.


Presentes na região desde 1985, os projetos de irrigação são responsáveis por cerca de 356 mil empregos diretos, indiretos ou induzidos. Os principais cultivos são de uva, manga e banana. Dos 39 projetos de irrigação da Codevasf, 25 são financeiramente independentes. O abastecimento de água é custeado pelos próprios produtores rurais em associações privadas.


TRABALHO MÚTUO

De acordo com o presidente da Codevasf, Marcelo Moreira, a estatal deve, nos próximos anos, dobrar a área istrada. “Começamos a trabalhar no São Francisco há exatamente 50 anos, junto com a nossa fundação. A Codevasf plantou aquela semente que gerou oportunidade para as pessoas. Petrolina, hoje, tem o IDH próximo ao da capital, Recife, e Juazeiro já tem o IDH próximo ao de Salvador. Tudo isso é fruto do desenvolvimento trazido pela irrigação, então é muito gratificante estar aqui constatando todo o sucesso que esses projetos geraram para o desenvolvimento regional”, afirma ele.


Segundo o presidente da estatal, os projetos permitem que pequenos agricultores tenham ganhos cada vez maiores e não sejam ofuscados por grandes produtores. “Temos as áreas destinadas, especialmente, aos pequenos produtores. Incentivamos esse público a trabalhar em associações e cooperativas, para que possam competir com os grandes produtores ou trabalhar junto a eles. É tudo um trabalho coletivo. Então, eles formam o melhor conjunto para gerar o desenvolvimento e empregos”, conta Marcelo Moreira.


A riqueza do Vale do São Francisco lembra os versos de Geraldo Azevedo, artista natural de Petrolina. É a comprovação de que o “Velho Chico” é repleto de possibilidades. “Muitos peixes, tantas vidas, das águas daquele rio podem se multiplicar. Além disso, quero mais: que as margens tenham de novo, suas matas originais”, canta o músico. 

*Viajou a convite da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf)

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