
Juraciara Vieira Cardoso
Professora da UFMG, graduada em Direito, mestre em Direito Constitucional e doutora em Filosofia do Direito
VITALidade
Cuidado ou controle: a armadilha das tecnologias no envelhecimento
Uma vida repleta de mais privacidade, espiritualidade, improviso, poesia e acaso
Mais lidas
28/04/2025 04:00
compartilhe
SIGA NO
x

Imagine que você chega em casa após um dia cansativo e resolve tomar um banho demorado para relaxar. Depois de 30 minutos, seu telefone toca, inúmeras mensagens chegam, alarmes disparam e todos os seus familiares estão te chamando porque foram notificados de que “você demorou demais no banheiro”.
Minutos depois, ao servir uma taça de vinho, seu relógio alerta de que naquela semana você já havia tomado vinho e que aquela taça poderia ser prejudicial para sua saúde. Assustado, você desiste do vinho, afinal de contas, já tem 70 anos.
De acordo com o Departamento de Economia Social das Nações Unidas (2023), até 2050, o percentual de pessoas com mais de 65 anos deverá dobrar se comparado aos números de 2021. Isso significa dizer que nossa população está envelhecendo de modo vertiginoso e que as pessoas terão mais necessidade de assistência médica e social. Contudo, os mesmos dados demonstram que está havendo um declínio na oferta de serviços voltados para a população idosa, justamente porque seu crescimento desafia os recursos disponíveis.
Uma das soluções para fazer frente à demanda crescente por serviços destinados aos idosos é por meio da intermediação da tecnologia. Assim, ao lado dos cuidadores tradicionais, a tecnologia já oferece relógios inteligentes que controlam dados de saúde, sistemas de segurança para monitoramento remoto dos ambientes, assistentes de voz que lembram a hora dos compromissos, dispensadores automáticos de medicamentos, que enviam notificações para familiares, aplicativos que permitem que cuidadores e familiares acompanhem rotinas, monitorem alimentação, consultas, exercícios e até mesmo, como no caso do Japão, robôs com inteligência artificial para conversar com os idosos.
São muitas as oportunidades e todas elas vendem a possibilidade de cuidado total, o que parece verdadeiro e tentador. No entanto, o que se percebe é que poucas vezes o idoso é consultado sobre como ele se sente diante desse paternalismo tecnológico, que tende a restringir sua liberdade silenciosamente.
Nos socorremos na evidente desculpa de que estamos a lhes proteger, mas, sem perceber, podemos estar invadindo a sua autonomia. Há uma diferença entre o cuidado, no qual o idoso é chamado a participar ativamente de cada decisão que lhes diz respeito, e o paternalismo tecnológico, que supõe que os idosos são frágeis e incapazes e que, portanto, precisam de dispositivos e pessoas que tomem decisões por eles.
Isso é tão verdadeiro que, na maior parte das vezes, os clientes das empresas detentoras de tais tecnologias não são as pessoas idosas, mas sim seus filhos, profissionais de saúde e até mesmo mercados. Em nome de uma espécie peculiar de cuidado, corremos o risco de invadir de modo inapropriado a autonomia e a privacidade dos nossos idosos. Eles envelheceram, é um fato, mas não deixam de ser seres singulares, que merecem pleno respeito por seus direitos individuais, inclusive no que diz respeito à gestão de sua existência. Tais direitos não devem ser mitigados em nome de um comodismo – nosso - que lhes rouba parte da liberdade.
Como nós, que fazemos boas e más escolhas, nossos idosos também podem – e devem - fazer boas e más escolhas, por exemplo, por preferirem uma vida com mais privacidade, espiritualidade, improviso, poesia e acaso – pois essa é também uma forma legítima de viver autêntica e livremente.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.