Cantora Catto se reconstrói no álbum ‘Caminhos selvagens’
Artista gaúcha muda de nome, assume a lourice, se entrega ao rock e faz transição de gênero em público em novo disco, com oito faixas
compartilhe
Siga noNo último dia 15, a cantora gaúcha Catto lançou nas plataformas o álbum “Caminhos selvagens”, comemorando 15 anos de carreira. Em oito faixas que exploram o amor em suas diferentes formas, nem sempre correspondido ou romântico, a artista mergulha em influências do rock dos anos 1990 para reafirmar sua identidade queer.
Como o título sugere, o álbum traz letras ardentes, abordando ilusão, desejo sexual e dominação, entre outros temas. Nas composições melodramáticas, o ato de amar é tudo, menos idealizado. “Tem essa dualidade entre o que é profundamente íntimo e quase pornográfico. Sigo muito minhas entranhas para fazer o meu trabalho”, afirma Catto, que descreve o disco como um mergulho em seu próprio diário pessoal.
“O amor, na nossa vida (de pessoas LGBTQIAPN+), é uma terra esquecida por Deus. Enquanto esperar ser a princesa da história de alguém, estarei sempre infeliz”, observa.
Leia Mais
Com o single “Eu te amo”, lançado no final de abril, Catto anunciou os rumos do novo trabalho. A faixa veio acompanhada de clipe dirigido por Juliana Robin, em que a cantora explora a estética “pós-festa à beira da estrada”. No vídeo, ela surge com visual repaginado, exibindo cabelos platinados. “Gosto muito da ideia da loira perigosa dos filmes do David Lynch e da Courtney Love”, comenta.
“Fiz uma transição de gênero em público. O disco não é sobre isso, mas está embebido na energia de alguém que foi se desconstruindo e se rasgando inteira diante das pessoas. É um trabalho muito importante para mim. Depois de tudo que ei, me sinto uma sobrevivente”, afirma Catto.
“Conseguir ter segurança para dizer as palavras que estou dizendo no disco foi fruto de um processo de desconstrução. Na verdade, de apropriação de quem eu sou. Não foi fácil, mas foi muito bonito”, completa.
O projeto chega após “Belezas são coisas acesas por dentro”, álbum lançado em 2023, no qual Catto interpreta canções de Gal Costa (1945-2022). A turnê, que ou por Belo Horizonte duas vezes, chegou ao Japão. A imersão no repertório de Gal teve impacto direto no desenvolvimento vocal da gaúcha, perceptível em faixas que exigem mais dos agudos, como é o caso de “Solidão é uma festa”.
Fita cassete
“Amadureci muito como cantora. Estudei bastante para cantar Gal. Investi em técnica vocal. Meu professor de canto, Wagner Barbosa, foi fundamental nesse processo”, conta.
Apesar da evolução de Catto como intérprete, o disco não tem a intenção de soar limpo. É cheio de ruídos, efeitos de voz e guitarras sujas. “É como se tu realmente tivesse encontrado uma fita cassete de 1996”, ela resume.
Catto inaugura agora a fase rock’n’roll. Mas ao escolher ser real em vez de perfeita, assume-se, na verdade, como antidiva, rótulo que ela mesma adota em seu perfil no Instagram.
“Acho divertido brincar de diva, mas o fato é que sou uma garota do povo mesmo. Não me coloco num castelo. Minha felicidade é estar perto das pessoas, sair para festas, transar, beber e me divertir”, diz.
Catto cita divas trágicas como Maysa (1936-1977) e Amy Winehouse (1983-2011) como referências. “São cantoras que nunca tiveram medo de expor as próprias feridas. Justamente por isso elas tocam tanto a gente.”
As faixas “Eu não aprendi a perdoar”, “Caminhos selvagens” (parceria com o mineiro César Lacerda), “Madrigal” e “Leite derramado” trazem arranjos de cordas escritos por Felipe Puperi, interpretados por violinos, viola e violoncelo. “Gosto de brincar com essa coisa operística, novelesca. Não tenho medo de ser extremamente maximalista em alguns momentos”, observa.
A produção musical ficou a cargo da própria Catto, em parceria com Fabio Pinczowski e Jojô Inácio. “Tenho mente ‘madonística’. Meu trabalho é pensado cenicamente, 360 graus. Quando escrevo uma letra, já estou pensando no figurino e na cena”, revela.
“O que me faz sentir viva como artista é saber que não sou só cantora. Existe todo um conceito, uma direção, uma imagem, uma textura. Meu trabalho é tudo isso. Comecei em Porto Alegre colando pôsteres na rua e, se precisar, saio hoje para colar lambe-lambe.”
Autobiográfico, “Caminhos selvagens” reflete a trajetória e as transformações pessoais de Catto. Marca nova fase na carreira da artista, que assina pela primeira vez um trabalho sem seu antigo nome, agora morto.
“CAMINHOS SELVAGENS”
• Disco de Catto
• Oito faixas
• Disponível nas plataformas digitais