Projeto para reduzir APA gera reação em cadeia em Araçuaí
Proposta do Executivo que prevê corte de 5,5 mil hectares da Chapada do Lagoão detona movimento de oposição e mobiliza até o MP
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Siga noEntidades, estudiosos, ambientalistas e lideranças políticas e comunitárias de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, se mobilizam em defesa da preservação total da Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Lagoão. Com 24,18 mil hectares de extensão, a APA é considerada essencial para o equilíbrio ecológico e garantia de fornecimento de água para a região, que, historicamente, sofre com a seca.
O movimento foi deflagrado depois de o prefeito de Araçuaí, Tadeu Barbosa Oliveira (PSD), ter encaminhado à Câmara Municipal da cidade, em caráter de “urgência urgentíssima”, um projeto de lei que que visa fixar uma nova limitação geográfica para a APA, que prevê a redução da área preservada. O projeto foi entregue aos vereadores em 7 de fevereiro. A prefeitura alega que, no seu atual formato, a APA, criada por lei municipal de Araçuaí, abrange também uma faixa de terra de 86,66 hectares do município de Caraí e que a gestão municipal da cidade vizinha pediu o “ajuste”. Argumenta também que a proposta da nova delimitação é baseada em estudo técnico, segundo o qual a intervenção não provocaria prejuízos para a proteção da área.
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Os argumentos do Executivo municipal, no entanto, não convenceram as entidades, ambientalistas, estudiosos e lideranças, que demonstram apreensão em relação aos riscos ambientais. Há também a preocupação sobre a possibilidade de a área de relevância ambiental ser impactada pela mineração de lítio, que avança na região.
SEGURANÇA HÍDRICA
A Caritas Diocesana de Araçuaí e o Conselho da APA da Chapada do Lagoão divulgaram um manifesto no qual alertam que população sofre um “grave risco ambiental, que pode comprometer o equilíbrio ecológico e o abastecimento de água da região”. As entidades católicas sustentam que o projeto do prefeito de Araçuaí encaminhado à Câmara de Vereadores prevê a redução da Área de Preservação Ambiental da Chapada do Lagoão em mais de 5,5 mil hectares, o equivalente a 23% de sua área total.
“Caso seja aprovado, o projeto pode gerar impactos irreversíveis para a biodiversidade local e para a segurança hídrica do município de Araçuaí, além de agravar os conflitos sobre a questão fundiária e mineração”, diz o manifesto. O texto lembra que a proposta foi protocolada em caráter de urgência-urgentíssima na Câmara de Vereadores, “sem consulta prévia à comunidade e ao Conselho Gestor da APA”. E que a medida levanta preocupações sobre a falta de transparência e participação social em decisão que pode afetar diretamente a população de Araçuaí e municípios vizinhos.
A Caritas Diocesana ressalta que a Chapada do Lagoão é uma área fundamental para a captação de água que abastece Araçuaí. “A redução de sua proteção resultará no aumento do assoreamento da Barragem do Calhauzinho, afetando dezenas de agricultores que dependem desse recurso para sua produção e subsistência. Além disso, a degradação da APA agravará as condições climáticas da região, que já enfrenta longos períodos de seca e temperaturas extremas”, alerta.
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A entidade católica salienta que “a proteção da Chapada do Lagoão não é apenas uma questão ambiental, mas também um compromisso com a segurança hídrica, a economia local e a qualidade de vida das futuras gerações. A crise climática impõe desafios urgentes à humanidade”.
SOCIOBIODIVERSIDADE
A Diocese de Araçuaí também também divulgou nota, na qual lembra que a APA da Chapada do Lagoão “representa um espaço de conservação ambiental que ostenta elevadíssima sociobiodiversidade, abrigando mais de 10 comunidades tradicionais e 139 nascentes, ao ponto de ser referenciada como “a grande caixa d' água” deste município”. No manifesto, assinado pelo bispo de Araçuaí, dom Geraldo dos Reis Maia, a Diocese afirma que a iniciativa da prefeitura não vai corrigir o “equívoco” em relação ao limite com Caraí, “pois a área correspondente ao município seria igualmente encurtada”. “A Diocese conclama o apoio de todos, visando à preservação da natureza, da ecologia integral e do meio ambiente equilibrado, em respeito ao ser humano”.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araçuaí distribuiu comunicado no qual diz que, “em defesa das comunidades tradicionais, rurais e de toda a população do município”, se posiciona contra a redução da dimensão territorial da APA da Chapada do Lagoão. “Essa medida representa um retrocesso ambiental inaceitável, colocando em risco um dos mais importantes patrimônios naturais da região, além de ameaçar o equilíbrio ecológico e o abastecimento de água dos nossos rios”, argumenta a entidade.
“O projeto propõe a redução de aproximadamente 23% da área total da APA, o que abriria espaço para o desmatamento, resultando em danos irreversíveis à biodiversidade local e comprometendo a segurança hídrica de toda a bacia do Rio Jequitinhonha”, denuncia a entidade sindical. Lembra ainda que a APA foi criada com o objetivo de “assegurar o bem-estar das populações locais, proteger a fauna, a flora e os recursos hídricos, além de garantir a sustentabilidade ambiental”.
Por sua vez, o Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro, grupo interdisciplinar de pesquisa, ensino e extensão da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri (UFVJM), lembra que, embora não esteja mencionado no estudo que subsidia o requerimento (projeto) apresentado na Câmara Municipal de Araçuaí, a APA da Chapada do Lagoão é “área em disputa por empreendimentos minerários”.
“A Área de Proteção Ambiental é em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais”, diz o observatório.
O Instituto Federal de Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG), por intermédio de unidade em Araçuaí, também se manifestou. “Destaca-se que a Chapada do Lagoão é um patrimônio ambiental de valor inestimável, caracterizado pela riqueza de seus recursos hídricos, com mais de 100 nascentes catalogadas pela transição entre dois importantes biomas: o Cerrado e a Caatinga. Além disso, a região abriga comunidades tradicionais quilombolas e moradores locais que mantêm uma relação histórica e cultural com o território”, diz o INFMG/Araçuaí.
QUILOMBOLAS
O Ministério Público Estadual (MPMG), que foi acionado pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), encaminhou ofício ao prefeito de Araçuaí recomendando que seja pedido à Câmara Municipal que retire o projeto de tramitação até que seja feita uma consulta prévia às comunidades quilombolas de Córrego do Narciso do Meio, Giral, Malhada Preta, Água Branca e Santa Rita do Piauí. A argumentação do MPMG é que a alteração “interferirá nos modos de vida” dessas comunidades.
A Promotoria Pública encaminhou ofício à Presidência da Câmara recomendando que a Casa se abstenha de pautar a tramitação do projeto de lei referente à APA Chapada do Lagoão “enquanto não houver consulta prévia às comunidades quilombolas da região. A recomendação é assinada pelos promotores Paulo César Vicente de Lima, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos), e Ana Luiza Henrique Berger Machado, da Comarca de Araçuaí.
O QUE DIZ O PREFEITO
O prefeito de Araçuaí, Tadeu Barbosa de Oliveira, divulgou nota em que reafirma que o projeto de lei que encaminhou à Câmara visa somente “corrigir a delimitação” da área da APA e que a medida “não compromete a preservação ambiental da Chapada do Lagoão. “A istração municipal reafirma seu compromisso com a transparência, o diálogo e o respeito às leis. Diante das discussões em torno do projeto de lei (…) é fundamental esclarecer o propósito dessa medida e reforçar a segurança jurídica para todos os envolvidos”, diz o texto.
“O projeto foi enviado à Câmara Municipal, onde os representantes do povo terão a oportunidade de analisar a proposta com atenção e responsabilidade. Seu objetivo é corrigir a delimitação da APA para que ela respeite os limites territoriais do município de Araçuaí, conforme determina a a Constituição Federal e atendendo a uma solicitação formal do município vizinho de Caraí”, assegura Tadeu Barbosa.
“É importante destacar que essa medida não compromete a preservação ambiental da Chapada do Lagoão. Pelo contrário, a adequação traz maior segurança jurídica à área de proteção e propicia condições para regularizar a situação fundiária de diversas famílias que, há décadas, utilizam parte do território incluído indevidamente na APA. Assim, a iniciativa busca equilibrar a conservação ambiental com a necessidade de garantir direitos àqueles que vivem e trabalham na região”, garante o prefeito.
Ele informa que a gestão municipal busca “realmente tornar a APA uma área de preservação efetiva”. “Assim que essa primeira ação for definida, iremos buscar formas de desenvolver o Plano de Manejo, garantindo a preservação da área remanescente e estabelecendo diretrizes claras para a sua proteção a longo prazo”, argumenta.
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“Reforçamos que o projeto encontra-se em discussão e que sua tramitação seguirá de forma transparente e democrática. Não há, portanto, motivos para preocupações com informações imprecisas. Confiamos no trabalho dos vereadores e seguimos abertos ao diálogo para construir, juntos, soluções que beneficiem toda a população”, conclui o prefeito de Araçuaí.
O projeto está desde 7 de fevereiro para análise da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara, composta por três vereadores. Eles têm o prazo de 30 dias para dar o parecer. Em seguida, o projeto segue para votação em plenário.