Mata atlântica derrubada: o reflexo nas águas da devastação do verde
Denunciadas por imagens de satélite, áreas devastadas em Ouro Preto e Rio Acima têm impactos diretos sobre matas ciliares e formações que alimentam nascentes
Repórter especial do Estado de Minas/UAI (2011), com agens por Folha de SP (stringer Europa 2011), Agora SP (2010-2011) e Hoje em Dia (2004-2010).
Sempre envolvido em grandes reportagens e séries em áreas como meio ambiente, segurança pública, tran
vegetação preservada diante de corte no terreno dá ideia do que a devastação consumiu crédito: vegetação preservada diante de corte no terreno dá ideia do que a devastação consumiu
A partir de imagens de satélite sobrepostas a indicadores de desmatamento e composição florestal mineira do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), a reportagem do Estado de Minas chegou à árvore de peroba-rosa que restou solitária em meio ao desmatamento de cerrado e mata atlântica madura em Ouro Preto, na Região Central de Minas. A vegetação ao redor foi ceifada em menos de um mês. Era uma floresta estacional semidecidual montana ou mata seca montana – um ecossistema que alterna períodos de seca e úmidos, ocorrendo apenas acima dos 500 metros de altitude, por depender de temperaturas mais amenas. Parte das árvores perde as folhas na estação seca, uma adaptação à escassez de água.
O fato de apenas uma peroba-rosa ter resistido em meio ao desmatamento é emblemático. “É uma árvore nativa do bioma mata atlântica brasileiro que enfrenta alto risco de extinção na natureza devido à intensa extração para utilização de sua madeira em épocas adas e constante desmatamento para expansão das fronteiras agrícolas no cenário atual”, destaca a bióloga Fernanda Raggi, mestre em botânica e professora do Centro Universitário Una. “Por ser uma espécie de crescimento lento, leva mais de 70 anos para atingir a fase adulta, permanecendo mais tempo na fase jovem devido à sua capacidade de tolerar condições ambientais desfavoráveis”, destaca a especialista.
A vegetação que ainda circunda a área desmatada em torno da peroba-rosa permite imaginar como era o ambiente quando intacto: uma vegetação composta por árvores de médio e grande portes, com espécies como o ipê-amarelo, o jequitibá, o cedro, o jacarandá, com galhos cobertos por cipós, trepadeiras e tomados por orquídeas e bromélias de espécies variadas.
O som incessante dos insetos e pássaros dá a certeza de uma mata pulsante, de fauna rica e diversificada, com mamíferos como a onça-parda, o lobo-guará e o macaco-prego, e diversas espécies de aves, répteis e anfíbios. É sabido que a região também abriga mamíferos próprios, como o sagui-da-serra-escuro, espécie endêmica da mata atlântica.
Foram perdidos 8 hectares (ha) dessa mata no local identificado em Ouro Preto, perto da represa do Rio das Velhas de Acuruí – Rio de Pedras. Sem as árvores da mata galeria, o Córrego das Pombas ficou completamente exposto, com margens no terreno aberto em terra nua ou somente revestido pelo mato de carrasco até desembocar no Rio das Velhas, que a ao largo. A mata, especialmente nessa região, enfrenta os desafios da fragmentação e da perda de habitat que deveria encontrar continuidade na Floresta Estadual do Uaimii, a menos de 10 quilômetros.
Metade da área explorada tem licença de estudos minerários para a extração de pedras (gnaisse) por uma pedreira que explora vários pontos do município e da região. A outra metade é área caracterizada como de disponibilidade de licenciamento e requerimento de lavra de mineração de granito.
Áreas entre o cerrado e a mata atlântica também acabam sentindo a pressão do desmate, principalmente por se tratar de uma delimitação imprecisa entre um bioma e o outro. São as chamadas “zonas de tensão”, onde características de dois ou mais biomas se fundem, sendo atingidos pela perda de 21% da mata atlântica madura.
Caso assim também foi identificado pelo mapeamento por satélites feito pela reportagem em Rio Acima, na Grande BH, onde o EM encontrou área de 23 hectares de mata atlântica, cerrado e eucaliptos desmatados em 2024, em topo de morro e espaço de recarga acima das nascentes do Ribeirão Cambimba e do Córrego Mingu, dentro do Parque Nacional da Serra do Gandarela. Dois importantes afluentes do Rio das Velhas.
O Ribeirão Cambimba forma a Barragem de Cambimbe, da mineradora AngloGold Ashanti, um dos reservatórios estratégicos para a Copasa, segundo plano de contingência do Ministério Público de Minas Gerais. Em caso de rompimento de barragem ou outro tipo de poluição que possa prejudicar a captação de água para a Grande BH na Estação de Tratamento de Bela Fama, em Nova Lima, entra em ação um sistema de bombeamento de água do barramento por meio de dutos para a unidade. O Córrego Mingu também é muito importante regionalmente, uma vez que as suas águas abastecem várias localidades, como as residências do Condomínio Canto das Águas, onde o manancial forma um lago central.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou, por meio da Diretoria de Combate ao Desmatamento (Dcod), que faz acompanhamento contínuo das áreas de supressão de vegetação nativa nos três biomas presentes em Minas Gerais. “Com o apoio do Instituto Estadual de Florestas (IEF), a Semad monitora os polígonos de desmatamento com o objetivo de planejar, executar e aprimorar ações de combate ao desmatamento ilegal, além de fornecer informações indicativas das áreas sob pressão de desmatamento”, declarou.
Área de mata atlântica desmatada em Ouro Preto: reflexos da ação humana já aparecem em erosões que vão engolindo a terra nua
O IEF faz o monitoramento contínuo da cobertura vegetal no estado desde 2009, usando imagens de satélite. Em 2023, o processo foi aprimorado com a inclusão de dados da Plataforma Brasil MAIS, uma ferramenta do Ministério da Justiça e da Polícia Federal que gera alertas de desmatamento com base em imagens de satélite de alta resolução.
Segundo a Semad, no bioma da mata atlântica, depois de a área desmatada alcançar 10.091,55 hectares em 2022, os números recuaram para 7.724,99 hectares em 2023, e para 4.671,39 hectares em 2024, uma redução de 23,45% e 39,53%, respectivamente. “A diminuição nos índices de desmatamento pode ser atribuída ao uso de novas tecnologias, melhorias contínuas nas ações de fiscalização e a implementação de estruturas específicas para combater a questão”, avalia a secretaria.
Ainda de acordo com os órgãos oficiais, a Subsecretaria de Fiscalização Ambiental (Sufis) e a Polícia Militar de Minas Gerais elaboram anualmente o Plano Anual de Fiscalização, que traça diretrizes para o enfrentamento da supressão ilegal de vegetação nativa no estado e destaca a Operação Mata Atlântica em Pé com a colaboração do Ministério Público de Minas Gerais e Ibama.
terreno desmatado em área de recarga de olhos d’água na cidade de Rio Acima, Grande BH Jair Amaral/EM/D.A Press
Meta de 7 milhões de árvores até 2026
O “Tratado da Mata Atlântica”, criado no âmbito do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) em outubro de 2023, é apontado como um compromisso com a meta de plantar 7 milhões de árvores nativas no estado até 2026.
“A Semad segue empenhada na preservação da mata atlântica e no combate ao desmatamento ilegal, com a expectativa de avançar ainda mais nas ações de fiscalização e restauração ambiental para garantir a sustentabilidade e a conservação desse bioma vital”, declarou a secretaria.
A perda da memória natural
Mata atlântica madura é o termo utilizado para caracterizar florestas em estágio avançado de crescimento e conservação, preservadas ou sem interferência humana aparente há pelo menos 50 anos.
É o bioma brasileiro mais devastado desde o século 16, e que vem sendo reduzido principalmente para expansão de atividades agropecuárias e queimadas para limpeza e replantio nessas terras.
Dados de 2024 da Fundação Mata Atlântica e do Instituto de Pesquisas Epaciais mostram queda do índice de desmatamento em relação ao ano de 2023, mas um aumento de áreas queimadas do bioma, sendo três vezes maiores que as áreas desmatadas.
O maior agravante é que a redução do bioma ocorreu e vem ocorrendo justamente em áreas com remanescentes de vegetação de florestas maduras, mais antigas, que trazem as memórias de como era caracterizada a biodiversidade e a riqueza, importantes para a identificação de espécies raras, ainda não estudadas, e das ameaçadas de extinção.
Também há muitas espécies de fauna endêmicas, ou seja, que só sobrevivem se alimentando de frutos e nidificando em árvores específicas, que só existem em áreas muito preservadas do país.
Portanto, a redução dos habitats e dos corredores ecológicos prejudica a multiplicação de espécies tanto de flora quanto de fauna, já que as condições ecológicas originais do ambiente mudam e provocam a redução das que não conseguem se adaptar.
Espécies maduras já absorveram e vêm estocando maiores quantidades de carbono da atmosfera em relação às áreas com árvores mais jovens e de plantios recentes, o que demonstra a importância da preservação e da manutenção da qualidade ecológica dos ambientes desde as eras mais antigas do planeta.
Árvores jovens precisam de mais energia para a fase de crescimento, o que faz com que elas absorvam carbono e liberem oxigênio em menor quantidade durante a fotossíntese.
Ao contrário, árvores maduras precisam absorver mais carbono para manter seu desenvolvimento, liberando assim mais oxigênio na atmosfera, o que contribui para a manutenção ecológica dos habitats do bioma. Com isso, devolvem ao meio serviços ecossistêmicos como equilíbrio das temperaturas e da umidade relativa do ar, contribuindo para o combate às mudanças climáticas extremas em eras diferentes.
Dessa forma, a redução desses indivíduos dificulta a realização de estudos de como eram os biomas e as áreas de mata atlântica em eras geológicas adas, uma vez que é possível determinar a idade da madeira e dos fósseis de árvores pela identificação da quantidade de carbono-14 nos tecidos vegetais.
Com isso, tanto as memórias quanto o ado que muitas vezes estavam guardados em áreas particulares e de fazendas espalhadas pelo país são apagados com os desmatamentos e as queimadas, ilegais em sua maioria, diante da indiferença e da necessidade constante da expansão econômica.