Grupo recicla roupas usadas e dá vida a espetáculos em BH
Peças feitas com doações, retalhos e criatividade coletiva viram figurinos de jovens do Morro das Pedras em atração na Virada Sustentável da capital
compartilhe
Siga noReduzir os impactos ambientais causados pelo fast fashion (produção e consumo acelerados de roupas e órios) é uma tarefa árdua nos dias de hoje, mas o Grupo Somos topou o desafio. No último fim de semana, 20 jovens do Morro das Pedras, Região Oeste de Belo Horizonte, integrantes do Programa Somos Comunidade se apresentaram com “looks” feitos a partir de materiais reaproveitados, doados ou reciclados na Virada Sustentável, no Palco Sapucaí. Mais atrações envolvendo moda sustentável, dança e música estão por vir nos meses de maio e junho.
A escolha do tema moda sustentável não é por acaso. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), “a indústria tem grande impacto sobre o meio ambiente”. Segundo a organização, de 2% a 8% de todas as emissões globais de carbono são oriundas do setor de tingimento têxtil, um dos maiores poluentes para fontes de água.
A ONU, em 2022, afirmou que a média de consumo de roupas por pessoa é de 60% a mais do que há 15 anos. Isso porque as peças produzidas nos dias atuais costumam durar metade do tempo que duravam no ado.
A prática do upcycling (reciclagem, em português) tem sido uma resposta eficaz a esses números alarmantes. É ressignificando peças já usadas que a moda torna-se uma grande parceira da sustentabilidade e do impacto social positivo.
Leia Mais
Por trás das roupas expostas durante a Virada, está a figurinista Priscila Gouthier, que integra o projeto Somos Comunidade há mais de dez anos. "Nosso trabalho é dar vida ao que já existe, transformar e criar com propósito. O figurino representa cada artista no palco e também carrega uma mensagem de consciência e de união", conta Priscila.
A profissional tem 12 anos de experiência e já participou da famosa São Paulo Fashion Week. Na ocasião, ela elaborou um conjunto de peças que une técnica, sensibilidade e consciência social.
Os materiais usados pela equipe de Gouthier são reaproveitados: tecidos de finais de produções de fábricas, itens com pequenos defeitos (LDs) e pontas de estoque. O descarte não era uma hipótese nas produções.
Os restos, que poderiam ser “jogados fora”, ganham utilidade, sendo transformados em adereços, joelheiras e enfeites de cabelo, por exemplo. Todos as roupas usadas pelos envolvidos são armazenadas em um acervo para futuras atrações.
Além de toda a questão ambiental, o Grupo Somos tem a missão de fortalecer os laços com a própria comunidade”. Pessoas envolvidas com a ação, desde costureiras a artistas locais, são moradores do Morro das Pedras e foram convidadas para colaborar na elaboração dos figurinos. Costureiras e artistas locais do Morro das Pedras foram convidados a intervir nas peças, deixando suas identidades “gravadas” nas roupas, com grafites, por exemplo.
“Uma vez que a gente forma peças que já foram usadas, que de uma certa forma poderiam ser descartadas, em novas criações que possuem um valor estético, é importante para eles — os jovens. E eu acho também que mostra para eles que a gente consegue trabalhar com o upcycling de uma forma criativa, e trazendo para essas peças a essência de cada um deles”, afirma a figurinista.
Projeto Somos Comunidade
O Projeto Somos Comunidade, ao longo de mais de dez anos, vem promovendo “empreendedorismo, economia criativa e transformação social no estado de Minas Gerais”, principalmente na capital e em Contagem, na Região Metropolitana.
Um de seus braços mais recentes é o grupo “Somos”, criado em 2024 a partir de uma seleção entre jovens de escolas públicas. Com aulas em estilos variados de dança e participação em festivais da capital, o grupo busca ampliar o repertório técnico e dar visibilidade a talentos das comunidades.
Desde sua criação, o programa já impactou diretamente milhares de pessoas, oferecendo formações e atividades culturais para artistas e profissionais da cadeia produtiva da arte. Além de espetáculos com grande elenco e um documentário protagonizado por moradores do Morro das Pedras, o projeto também contou com participações marcantes de nomes reconhecidos da música brasileira. Em 2022 e 2023, o Somos Comunidade ampliou sua atuação com oficinas práticas sobre bastidores das artes cênicas e estreitou laços com o público de Contagem.
A partir de 2024, o programa iniciou uma nova fase com atividades voltadas ao público infantil e formação continuada dos jovens artistas. O grupo experimental “Somos” tem circulado com cenas curtas por diferentes festivais da Grande BH e deve seguir com ações de formação ao longo de 2025. Também estão previstas oficinas abertas ao público, com conteúdos definidos a partir do diálogo com os moradores das regiões atendidas.
Lilian Nunes, diretora artística e executiva da Coreto Cultural, realizadora do Projeto Somos Comunidade, conta do compromisso com o meio ambiente: “O projeto sempre busca soluções de menor impacto ambiental, não só no espetáculo, como também nas oficinas. A gente já teve várias aí nos nossos processos, nas nossas etapas”, explica.
Ela exemplifica: na “construção” de um instrumento, ela diz que é a partir de um recipiente reaproveitado e cabos de vassoura. Numa oficina de fotografia, por exemplo, ela afirma que não necessariamente eles usarão impressões: “podemos utilizar essas fotografias depois na na estamparia de um de um de um figurino, em um cenário virtual”, fala.
Priscila acredita que o projeto tenha o “poder” de provocar reflexão nas pessoas. “Eu acredito que as pessoas repensem os seus próprios hábitos quando percebem que é possível criar alguma coisa bonita e expressiva a partir do reaproveitamento. A lógica do consumo da moda hoje é ultra fast, acredito que já ultraou o limite do fast fashion. E entender esse ciclo da moda por um outro caminho, para mim faz muito mais sentido”, reflete.
Desafios
O grupo enfrentou desafios para conseguir colocar seus planos em prática, como explica Lilian. “O primeiro desafio é financeiro, porque optar por práticas sustentáveis, não necessariamente quer dizer que você está fazendo uma economia de dinheiro. A bem da verdade é o contrário. Gasta-se mais para se consumir menos. Para você consumir menos, para você reaproveitar material, às vezes fica mais caro do que comprar tudo novo”, diz.
Outro desafio é a conscientização, ela conta. Segundo a coordenadora, às vezes, campanhas de doações são feitas. Ela cita a ajuda dos Cooperados do Instituto Unimed BH, que patrocina o projeto e foi responsável por garantir doações de jeans, camisas e gravatas: “Às vezes, a resposta que a gente tem está aquém da nossa necessidade de produção. E, aí, temos que recorrer para outros lugares, seja brechó, pontas de estoque, sobras da indústria”, relata.
Transformando vidas
Nicoly Oliveira da Silva Vitorino, de 17 anos, é uma das jovens que participam do projeto, e atualmente pratica danças urbanas e balé: “Desde que entrei, em 2024, eu notei uma evolução não só individual, mas também coletiva dos meus parceiros de grupo. Acredito que essa experiência vem me fortalecendo como artista e influencia bastante na minha construção profissional e pessoal”, fala.
Por causa de sua experiência, Nicoly viu na dança resposta para questionamentos que vivia dentro da comunidade. O que mais importa para ela dentro da iniciativa é a irmandade, característica essencial para a vivência da arte.
“Nessa minha jornada do grupo Somos, eu aprendi que, apesar das dificuldades, nunca devemos deixar algo nos abalar porque somos mais fortes juntos e somos todos uma comunidade que luta pela pela arte, pela igualdade e pelo movimento sustentável”, afirma.
Confira os próximos eventos
Para quem não conseguiu assistir ao espetáculo na Virada Sustentável, será possível conferir outras atrações ainda no mês de maio e junho.
- 17/5, 10h - Praça da Assembléia, na programação do Meu Vizinho Pardini
- 7/6 - Festival de Outono, em Betim
- 14/6 - C.A.S.A (sede Cia Suspensa + Armatrux), no Festival 4 Estações, em Nova Lima
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice