A volta das doenças controladas

Minas bate recorde de casos de hanseníase desde 2012: quais são as causas?

Tanto em 2023 quanto em 2024, o estado registrou 1,5 mil diagnósticos da doença, o que não ocorria há mais de uma década

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Um drama que atinge a população mundial antes mesmo dos tempos bíblicos, mas que, mesmo controlado com o avanço da medicina nas últimas décadas, voltou a crescer em Minas Gerais nos últimos dois anos. Números da Secretaria de Estado de Saúde, consolidados pelo Núcleo de Dados do EM, mostram que Minas rompeu a marca de 1,5 mil diagnósticos de hanseníase tanto em 2023 (1.568) quanto em 2024 (1.564), patamar que não era registrado desde 2012.

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Especialistas ouvidos pela reportagem apontam diferentes fatores para a nova alta. Uma das explicações a pelo desconhecimento dos médicos mais novos sobre a enfermidade, como explica Eduardo Rabelo de Abreu, hansenologista da Colônia Santa Isabel, histórico equipamento de saúde voltado à bacteriose.

“Há um despreparo da rede de saúde. Temos jovens se formando em medicina, em cursos de bom nível, mas sem sequer ter discutido sobre os primeiros sinais da doença. Chegam pra gente pacientes que aram pela saúde da família, por dermatologistas e por neurologistas antes. Quando chegam aqui (na Colônia Santa Isabel), é quase um diagnóstico por exclusão”, diz.

Um estudo conduzido por três pesquisadoras, publicado na Revista de Patologia do Tocantins em 2021, alerta para as consequências do diagnóstico tardio da doença. Entre as conclusões alcançadas está o aumento das chances de surgirem incapacidades físicas com o tempo prolongado de exposição ao bacilo. "As formas multibacilares estão diretamente relacionadas às deformidades e são fontes de transmissão, o que demonstra a necessidade de detecção precoce dos casos", destacam as pesquisadoras.

Com larga experiência de décadas no tratamento de hansenianos, Eduardo Rabelo crê que os cerca de 1,5 mil casos da doença em 2024 e também em 2023 não traduzem a realidade. O especialista afirma que há subnotificação, mesmo que a busca ativa dos diagnósticos tenha aumentado após a pandemia.

“Para cada pessoa que nos procura, estimamos cerca de quatro ou cinco outros casos. Temos que facilitar a identificação dos casos ocultos. Isso vai acontecer com conscientização. O governo não está fazendo isso. Esporadicamente, há investimentos em educação em saúde, mas isso fica a janeiro (mês de conscientização e combate à hanseníase, o janeiro roxo). Essas ações deveriam durar o ano todo”, afirma.

Veja, abaixo, a linha do tempo da doença milenar ao longo dos anos:

Secretário nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Eni Carajá Filho concorda com a análise do médico. Para ele, o poder público faz pouco para frear a doença, o que resulta no aumento de casos dos últimos dois anos.

"As autoridades sempre tentam suavizar. Em Minas, temos muitos municípios que não notificam casos (ao estado), então penso que esse número pode ser ainda maior. Temos muitos casos de pessoas que procuram o atendimento médico, mas as equipes de saúde recusam, principalmente no interior. O principal problema acontece na atenção primária, que não está preparada", diz.

Concentração de casos

Por trás do aumento de casos da doença em Minas Gerais está uma concentração de diagnósticos na Região Norte do estado. Nos últimos dois anos, sete das 10 cidades com maior incidência de hanseníase em Minas estão nessa regional: Januária (741 casos por 100 mil habitantes), São João da Ponte (254/100 mil), Ibiaí (174 por 100 mil), Bonito de Minas (166/100 mil), Cônego Marinho (165/100 mil), Pedras de Maria da Cruz (143/100 mil) e Montes Claros, o maior município desse recorte geográfico, com 112 hansenianos por 100 mil pessoas.

A relação entre as condições socioeconômicas e a prevalência da hanseníase no Norte do estado é observada pelo infectologista João dos Reis Canela, que há 49 anos exerce a profissão em Montes Claros. “Quanto mais pobre é uma determinada região, mais propícia ela é às doenças infectocontagiosas. Os países pobres adoecem mais por conta da própria ambiência, da proximidade entre as pessoas e do desconhecimento da contagiosidade”, afirma.

O médico dermatologista, mestre em Cuidado Primário em Saúde, Evandro Barbosa dos Anjos, professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), também ressalta a relação entre a transmissão e as condições de renda e de moradia. ”A hanseníase é transmitida via perdigotos, pequenas gotas de saliva contendo a bactéria. Quanto mais próximos os indivíduos estão, quanto mais fechado for o ambiente, maior a chance de contaminação”, diz.

“Para o indivíduo ser contaminado e desenvolver a doença, outras questões se fazem importantes, como, por exemplo, o estado nutricional e a história genética. Ambientes muito fechados, casas muito pequenas, sem ventilação, também influenciam”, completa Evandro.

Encarando de frente

A comerciante Renata* (nome fictício) sentia muitas dores e dificuldades para andar. Nunca imaginava que seria a hanseníase. Ao receber o diagnóstico, mesmo ouvindo as pessoas falarem que “tinham medo” da doença, o encarou com naturalidade. Moradora de Montes Claros, ela concluiu o tratamento em fevereiro do ano ado, após meses de luta.

“Teve um dia que eu estava andando na rua. De repente, paralisei tudo”, relata a mulher. Entre os sintomas, ela conta que sentia muitas dores em diferentes partes do corpo, principalmente nas articulações e nas pernas, com a falta de mobilidade.

Renata ainda ressalta a dificuldade para diagnóstico da hanseníase no início do tratamento – um problema abordado pelos especialistas ouvidos nesta reportagem. Ela, inicialmente, foi a um ortopedista, que a encaminhou, depois, para um dermatologista de uma unidade de referência de doenças infecciosas em Montes Claros.

“A médica começou a me examinar e percebeu algumas manchas brancas em meu corpo. Depois, fez os testes de calor e sensibilidade. Eu errei quase tudo. Quando colocava água gelada, eu achava que estava quente, e vice-versa. Estava tudo dormente”, recorda.

Aos 37, a cuidadora de idosos, Janaína Marques, é outra pessoa que enfrentou a hanseníase recentemente, em Sarzedo, Grande BH. "Descobri (o diagnóstico) durante o parto da minha filha e já entrei em tratamento. Eu me assustei bastante, porque não conhecia nada. Entrei em depressão. Não sofri preconceito, mas muita gente próxima deixou de fazer exames por temor. Eu fui a primeira diagnosticada, depois vieram meu pai e meu irmão", diz.

Para Janaína, que perdeu o pai por complicações da hanseníase aliadas a outras doenças, o principal problema no combate à doença parte da falta de conscientização do poder público. "Não há conversa com a sociedade, não há educação. O posto de saúde comunica sobre várias coisas, como o câncer de mama e a depressão, mas não se fala em hanseníase", afirma.

O que dizem as autoridades

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que “acompanha com atenção” a nova alta da hanseníase nos últimos dois anos. Sobre a concentração de casos no Norte, a pasta esclareceu que a região, historicamente, apresenta as maiores taxas de incidência da hanseníase. "São múltiplos fatores, como a vulnerabilidade social, condições precárias de moradia e saneamento, menor o aos serviços de saúde e histórico de transmissão persistente".

"Entre as principais ações desenvolvidas estão: capacitação das equipes de saúde para diagnóstico e tratamento, distribuição de medicamentos e testes rápidos por meio do SUS, fortalecimento da vigilância epidemiológica, promoção de campanhas de conscientização e realização de inquéritos epidemiológicos em territórios prioritários", informa o governo.

As secretarias municipais de saúde de Januária e Montes Claros (Norte de Minas) informaram que vêm adotando uma série de medidas para reforçar a vigilância epidemiológica. Os dois municípios contam com unidades especializadas em atendimentos aos portadores da enfermidade e garantem tratamento gratuito, por meio do SUS.

“Pensando na educação em saúde de forma continuada, foram implementadas ações voltadas à conscientização, a fim de que o paciente consiga identificar possíveis sinais precoces da doença, buscando, assim, orientações na Unidade Básica de Saúde”, afirma a secretária municipal de Saúde de Januária, Luciene Almeida Damasceno.

A Secretaria Municipal de Saúde de Montes Claros informa que implementa diversas ações de prevenção e controle da hanseníase, a partir de serviço de referência para a enfermidade. “Destaca-se a descentralização da assistência à doença, o que propiciou o aumento do número de casos, essencial para o conhecimento e interrupção da cadeia de transmissão na região”, afirma a coordenadora de Vigilância Epidemiológica de Montes Claros, Priscilla Pimenta.

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