Motoristas de aplicativo exigem direitos em audiência pública em BH
Os trabalhadores pedem por regulamentação na capital mineira, melhores remunerações e condições seguras de trabalho
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Siga noO “corre”, ou seja, a árdua rotina de trabalho dos entregadores de aplicativo, foi pauta de uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que aconteceu nessa quinta-feira (22/5). As queixas estão relacionadas à remuneração e às condições de trabalho da categoria.
A deputada Bella Gonçalves (Psol) foi quem presidiu a audiência. Ela, em diálogo com parlamentares de outros estados, como o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), solicita a formulação de um projeto de lei específico para combater os problemas relacionados a esse tipo de trabalho.
Em entrevista ao Estado de Minas, Paulo Xavier, presidente da Federação dos Motoristas por Aplicativos do Brasil (Fembrapp) comentou sobre a audiência e a sobre a luta por direitos travada pelos motoristas de aplicativo.
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“Nós, motoristas por aplicativos, estamos aqui atentos a esse debate porque tanto os motoristas por aplicativo quanto os motoentregadores são penalizados com a mesma situação. Os rees que as plataformas fazem não são suficientes para cobrir os custos, para termos um ganho real. Então esse debate é muito importante acontecer”, ressalta.
No entanto, ele reclama que o que se vê é “mais do mesmo”. Ele disse que autoridades, como o governo federal e as próprias plataformas, ignoram o clamor dos trabalhadores por condições de trabalho dignas por anos.
Xavier cita outras questões como o reajuste nos preços do combustível, por exemplo: “Toda vez que aumenta o preço de um combustível do carro, da moto, o que seja, isso é reado para o usuário, mas não chega na ponta, não chega na mão do motorista propulsivo, do trabalhador e do motofretista”, reclama.
Trabalhadores na audiência
Jéssica Magalhães, entregadora e integrante do coletivo “Minas no Trecho”, foi uma das organizadoras do “Breque” dos aplicativos em Belo Horizonte, um movimento nacional que aconteceu em 2020 e que reivindica reajustes nos valores pagos por entrega/corrida e por quilômetro percorrido.
Em sua fala destacou quatro pautas urgentes que precisam ser resolvidas: a primeira delas, o aumento do valor mínimo por entrega. Hoje em dia, é cerca de R$ 6,50 e ela sugere que aumente para R$ 10.
O fim das chamadas rotas agrupadas sem pagamento integral é outra questão. Isso acontece porque algumas das plataformas exigem que sejam feitas duas ou mais entregas em um mesmo endereço por um preço irrisório. Outras pessoas na audiência disseram ainda que, se há devolução do pedido, o valor da corrida a a ser metade, pela mesma distância percorrida.
O limite de quilometragem para entregas com bicicletas é a terceira pauta levantada por Jéssica Magalhães. Segundo ela, visando apenas o lucro, as empresas am demandas com distâncias maiores para quem tem bicicleta e não para quem tem moto.
Por último, foi feito o pedido de reajuste pelo quilômetro rodado, de R$ 1,50, valor atual, para R$ 2,50.
“Escravidão moderna”
“Autônomo sim, mas com direitos. Não é razoável aceitar que quase metade da força de trabalho no Brasil esteja na informalidade, com uma das maiores categorias do país – os entregadores, sem proteção social mínima”, destacou a deputada Bella Gonçalves.
Ela comparou o número de trabalhadores vinculados à JBS (150 mil) com a estimativa de entregadores ligados a plataformas como Uber e iFood, que ultraam os 900 mil, mesmo sem dados oficiais divulgados pelas empresas.
A parlamentar criticou ainda o fracassado Projeto de Lei Complementar 12/24, que pretendia regulamentar apenas motoristas de transporte de ageiros. Já o deputado Luizinho (PT) classificou a atual situação como “escravidão moderna”, alertando para a iminente entrada da empresa chinesa Meituan no mercado nacional, o que, segundo ele, poderá agravar ainda mais as condições já precárias de trabalho.
Números que assustam
A insegurança no trabalho foi outro ponto alarmante trazido à audiência. Bella Gonçalves destacou que, apenas no ano ado, 96 entregadores morreram em Belo Horizonte e nenhum desses casos foi reconhecido como acidente de trabalho.
Segundo ela, nos primeiros dois meses deste ano o Hospital João XXIII já teria atendido mais de 1 mil motociclistas acidentados, em grande parte trabalhadores de aplicativo.
“A vida do entregador está sendo tratada como descartável”, denunciou a deputada. Segundo ela, a falsa narrativa do empreendedorismo contribui para que esses trabalhadores aceitem uma relação abusiva sem perceber que são peças de um sistema algorítmico que define seus ganhos, horários e até suas rotas.
Estratégias para controle emocional
Peterson Ramos, fundador do Delivery Bom, apontou a “gameficação” dos aplicativos como uma estratégia de controle mental e emocional. “Eles (as plataformas) te premiam com troféus digitais, com missões e bônus, como se fosse um videogame. Isso vicia. Mas estamos falando da vida real, com acidentes, fome e morte”.
A professora universitária Daniela Muradas Antunes acrescentou que boa parte das reivindicações dos entregadores já está prevista na legislação atual. Para ela, o discurso da “liberdade sem patrão” foi sequestrado pelo mercado. “Os algoritmos se tornaram patrões invisíveis. É um novo tipo de opressão, travestida de escolha”.
“CLT não é atraso, é proteção”
Rogério dos Santos Lara, presidente do Sindicato dos Motociclistas e Ciclistas de Minas Gerais, reconheceu que a entidade sindical precisa avançar, mas pediu união da categoria. “Não existe liberdade sem negociação coletiva. CLT não é atraso, é proteção”.
Entre os convidados estiveram também representantes da BHTrans, do TRT-3, da Intersindical, da Amae-DF, e do Centro de Apoio ao Trabalho Ambulante, além de pesquisadores da UFMG. Todos reforçaram a importância de reconhecimento institucional para os entregadores e a necessidade de estrutura pública de apoio ao trabalho informal.
No encerramento, Bella Gonçalves reiterou o compromisso da Comissão de Direitos Humanos em dar continuidade às articulações políticas necessárias para transformar as denúncias em propostas legislativas. “A luta é antiga, mas o cenário é novo. Precisamos estar à altura desse novo tempo. Só com mobilização nacional e pressão popular conseguiremos virar esse jogo”.
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*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice