Auschwitz libertados do inferno
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Siga noJúlio Moreira
O Estado de Minas inicia hoje uma série especial sobre os eventos marcantes que simbolizaram o fim da Segunda Guerra Mundial. O primeiro tema é a libertação de Auschwitz, ocorrida em 27 de janeiro de 1945, quando soldados soviéticos resgataram 7 mil prisioneiros do campo de extermínio nazista, onde mais de 1,1 milhão de pessoas foram assassinadas.
Nos meses seguintes, o colapso do Terceiro Reich se acelerou. Em fevereiro, Churchill, Stalin e Roosevelt se reuniram na Conferência de Yalta para decidir o destino da Alemanha e formalizar os julgamentos nazistas. Pouco depois, entre 13 e 15 de fevereiro, o bombardeio aliado devastou Dresden, matando até 25 mil civis.
No final de abril, com Berlim cercada, Adolf Hitler se suicidou em seu bunker, e a Alemanha assinou sua rendição em 8 de maio, encerrando a guerra na Europa. Em julho, a Conferência de Potsdam consolidou a divisão alemã e pressionou o Japão a se render.
A guerra no Pacífico terminou após os bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto, que mataram mais de 200 mil pessoas e forçaram a rendição japonesa em 15 de agosto.
Com o objetivo de evitar novos conflitos, a ONU foi criada em 24 de outubro, e, em novembro, os julgamentos de Nuremberg condenaram 12 líderes nazistas à morte por crimes contra a humanidade.
Auschwitz
“Escrever poesia depois de Auschwitz é um ato de barbárie”
Theodor Adorno, filósofo alemão
Esses eventos marcaram o desfecho do maior conflito da história, cujas cicatrizes ainda ressoam no mundo atual.
Sobreviventes alertam sobre o crescimento do antissemitismo
Dario THUBURN e Yannick PASQUET (AFP)
O campo de extermínio nazista de Auschwitz-Birkenau, símbolo máximo do Holocausto, foi libertado há 80 anos pelas tropas soviéticas. Para marcar a data, no último dia 27, sobreviventes, líderes mundiais e representantes de diversas nações reuniram-se no local para relembrar as vítimas e reforçar o compromisso com a memória histórica. No entanto, o evento também foi permeado por um alerta preocupante: o crescimento do antissemitismo no mundo.
Entre 1940 e 1945, Auschwitz foi o epicentro da “Solução Final”, o plano nazista de extermínio dos judeus europeus. Localizado na cidade polonesa de Oswiecim, que os alemães renomearam como Auschwitz, o complexo abrigou um dos mais brutais sistemas de assassinato em massa da história. Das mais de 1,3 milhão de pessoas que foram enviadas ao campo, aproximadamente 1,1 milhão perderam a vida, a maioria judeus. Outros grupos perseguidos pelo regime nazista, como prisioneiros políticos, ciganos, pessoas com deficiência, homossexuais e prisioneiros de guerra soviéticos, também foram vítimas do extermínio. Em 27 de janeiro de 1945, quando os soldados do Exército Vermelho chegaram ao campo, encontraram apenas 7 mil prisioneiros sobreviventes, muitos deles à beira da morte, debilitados pela fome, doenças e tortura. Dias antes da libertação, os nazistas destruíram as câmaras de gás e crematórios na tentativa de apagar as evidências dos crimes cometidos. Além disso, forçaram cerca de 60 mil prisioneiros a marchar para outros campos na Alemanha, no que ficou conhecido como as “Marchas da Morte”. Milhares morreram no caminho, abatidos pela exaustão, pelo frio ou executados pelos guardas da SS.
Soldados soviéticos com prisioneiros libertados: fim de um pesadelo que comoveu o mundo
“O antissemitismo nos trouxe até aqui e ele está crescendo novamente”
O evento oficial pelos 80 anos da libertação reuniu cerca de 50 sobreviventes de Auschwitz, além de chefes de Estado e líderes internacionais. Entre os presentes estavam o rei Charles III do Reino Unido, o presidente francês Emmanuel Macron e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Representantes da Alemanha, Israel e outros países também participaram da cerimônia, que incluiu homenagens às vítimas e discursos emocionantes.
Diante do histórico portão de Auschwitz-Birkenau, onde se lê a frase irônica “Arbeit Macht Frei” (“O trabalho liberta”), os sobreviventes alertaram para o preocupante ressurgimento do antissemitismo e do extremismo no mundo.
“Hoje estamos vendo um grande aumento do antissemitismo, embora tenha sido precisamente o antissemitismo que levou ao Holocausto”, declarou Marian Turski, de 98 anos, que sobreviveu ao campo.
Tova Friedman, de 86 anos, reforçou a preocupação ao afirmar que os valores democráticos e humanitários estão sendo minados pelo ódio e pela intolerância. “Nossos valores judaico-cristãos foram ofuscados pelo preconceito, pelo medo, pela desconfiança e pelo extremismo. O antissemitismo galopante se espalha entre as nações”, lamentou.
Leon Weintraub, um médico polonês de 99 anos radicado na Suécia, denunciou o crescimento de movimentos neonazistas e de extrema direita na Europa e em outras partes do mundo. “O Holocausto não começou com câmaras de gás. Ele começou com palavras, com discursos de ódio. Começou com a indiferença da sociedade diante da discriminação. E é isso que estamos vendo novamente hoje.” alertou.
Os organizadores do evento destacaram que esta pode ser a última grande cerimônia de uma década com a presença de um número significativo de sobreviventes. “Todos sabemos que em dez anos não será possível ter um grupo tão grande de testemunhas diretas do Holocausto”, disse Pawel Sawicki, porta-voz do Museu de Auschwitz.
O rei Charles III, que visitou um centro judaico em Cracóvia antes da cerimônia, ressaltou a necessidade de preservar a memória do Holocausto para que as futuras gerações compreendam os perigos do extremismo. “A responsabilidade de manter viva essa lembrança recai sobre nós e sobre aqueles que virão depois de nós”, declarou.
A cerimônia também foi marcada por tensões políticas. O presidente russo Vladimir Putin, que não foi convidado para o evento pelo terceiro ano consecutivo devido à invasão da Ucrânia, publicou uma mensagem exaltando o papel das tropas soviéticas na libertação de Auschwitz e na derrota da Alemanha nazista. “Os soldados soviéticos venceram um mal terrível e total”, afirmou Putin. Já o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky declarou que “o mundo deve se unir para impedir a vitória do mal”, em uma fala interpretada como uma crítica à Rússia.
Muitos dos sobreviventes presentes usavam gorros e lenços listrados azuis e brancos, em alusão aos uniformes que vestiam quando eram prisioneiros. A cerimônia foi marcada por momentos de silêncio e pelo acendimento de velas no “Muro da Morte”, onde milhares de prisioneiros foram executados a tiros.
Prisioneiros recebiam quantidade mínima de alimentos, que era insuficiente para necessidades básicas. perdiam peso, tornando-se pele e osso
O impacto global da libertação de auschwitz
Quando Auschwitz foi libertado em 1945, o mundo ainda não compreendia a extensão dos crimes cometidos pelo regime nazista. Durante a guerra, muitas imagens dos campos de concentração e extermínio foram retidas pelas autoridades aliadas, em parte para não alarmar as famílias daqueles que tinham parentes desaparecidos. Somente a partir de abril de 1945, com a libertação do campo de Ohrdruf, na Alemanha, o impacto das atrocidades nazistas começou a ser plenamente divulgado.
O general Dwight Eisenhower, então Comandante Supremo das Forças Aliadas, visitou Ohrdruf e ordenou que jornalistas e fotógrafos registrassem tudo, para que a humanidade jamais duvidasse do que havia acontecido. “A evidência da bestialidade e da crueldade nazista é tão avassaladora que não deixa dúvida sobre suas práticas”, afirmou Eisenhower na época.
Décadas depois, essa mesma responsabilidade recai sobre as novas gerações. Sobreviventes como Marta Neuwirth, de 95 anos, ainda se perguntam: “Como o mundo pôde permitir Auschwitz?”.
No Chile, Esther Senot, de 97 anos, voltou recentemente a Auschwitz acompanhada por um grupo de estudantes ses, cumprindo uma promessa feita à irmã, Fanny, que morreu no campo. “Conte o que aconteceu conosco, para que a História não nos esqueça”, foram suas últimas palavras.E é esse o compromisso reforçado nesta segunda-feira em Auschwitz: lembrar, educar e lutar contra o ódio, para garantir que tragédias como essa nunca mais se repitam.
Sobreviventes femininas no quartel do campo: Centenas de prisioneiros foram levados para alojamentos lotados
Máquina de extermínio
Os campos de Auschwitz dizimaram milhões com gás, fuzilamentos e torturas. Poucos prisioneiros sobreviveram aos horrores, evidenciando a brutalidade nazista
As mortes nos campos de concentração e extermínio de Auschwitz (Auschwitz I, Auschwitz II-Birkenau e Auschwitz III-Monowitz) foram marcadas por extrema brutalidade, crueldade e desumanização. O campo, operado pelo regime nazista entre 1940 e 1945, tornou-se um dos símbolos do Holocausto, sendo responsável pelo assassinato de aproximadamente 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus, mas também prisioneiros políticos, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová e prisioneiros de guerra soviéticos.
• Câmaras de gás
O método mais utilizado para o assassinato em massa. As vítimas eram levadas para câmaras disfarçadas de banheiros, onde eram expostas ao gás Zyklon B. Em poucos minutos, morriam por asfixia.
• Execuções por fuzilamento
Principalmente direcionadas a prisioneiros políticos, membros da resistência e alguns grupos específicos, como soviéticos e ciganos.
• Fome e doenças
Muitos prisioneiros morreram devido às condições desumanas, como subnutrição extrema, epidemias (tifo, disenteria, tuberculose) e falta de atendimento médico.
• Trabalho forçado
Muitos eram submetidos a jornadas exaustivas em temperaturas congelantes, sem roupas adequadas ou alimentação suficiente, levando ao esgotamento e morte.
• Experimentos médicos
O Dr. Josef Mengele e outros médicos nazistas realizaram experimentos brutais em prisioneiros, muitas vezes resultando em mortes dolorosas.
• Espancamentos e torturas
Guardas e oficiais das SS frequentemente espancavam prisioneiros até a morte ou os submetiam a torturas letais.
• Forca e punições coletivas
Execuções públicas eram usadas para aterrorizar os prisioneiros e reprimir qualquer tentativa de resistência.
• Marchas da morte
Nos meses finais da guerra, quando os nazistas evacuaram Auschwitz, milhares de prisioneiros foram forçados a marchar em temperaturas congelantes sem comida ou água. Muitos morreram no caminho.
Ivan Dudnik, um russo de 15 anos, é resgatado: O adolescente foi descrito como louco devido ao tratamento no acampamento
Vozes de auschwitz
Depoimentos dos sobreviventes do campo de concentração nazista
“Éramos cerca de 80, mulheres,crianças e idosos, com apenas um balde para nossas necessidades. Nada de água ou mesmo um pedaço de pão”
• Albrecht Weinberg, 99 anos, descrevendo a viagem para Auschwitz
“Quando chegamos, prisioneiros de uniforme com bastões gritavam: ‘Fora! Fora!’”
• Albrecht Weinberg, sobre a chegada ao campo
“Trabalhavam tanto, de forma tão brutal, que às vezes três pessoas morriam de exaustão em um dia”
• Albrecht Weinberg, sobre o trabalho em Auschwitz
“Em questão de minutos, amos de um povo livre para prisioneiros de um campo de concentração com números nos nossos braços”
• Nate Leipciger, 96 anos
“Eram enviadas fortes e saudáveis diretamente para os fornos”
• Marta Neuwirth, sobre a seleção das vítimas
“Não sou capaz de encontrar palavras para descrever a ferocidade e a selvageria dos ‘kapos’”
• Ginette Kolinka, 99 anos, sobre os prisioneiros que supervisionavam os demais
“Mexa-se ou vou chutá-lo. Assim eram os ‘kapos’”
• Ginette Kolinka
“ Tinha semanas em que não comia nada. Desmaiei de fome”
• Marek Dunin-Wasowicz, 98 anos, prisioneiro no campo de Stutthof
“Foi um milagre termos sobrevivido. Não nos mandaram para a câmara de gás e ainda estou aqui’’
• Ella Blumenthal, sobrevivente do campo
“Não esperava que fosse tão importante falar sobre o Holocausto 80 anos depois, mas se tornou por causa da terrível ascensão do antissemitismo”
• Nate Leipciger, sobrevivente de Auschwitz
“Conte o que aconteceu conosco para que não sejamos esquecidos pela História”
• Fanny, em seu leito de morte, pedindo à irmã Esther Senot que testemunhasse
“Como o mundo permitiu Auschwitz?”
• Marta Neuwirth, 95 anos, enviada da Hungria para Auschwitz aos 15 anos