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Assis Brasil: "Não conseguimos escapar da vocação literária"

Depois de 50 anos à frente da mais antiga oficina de escrita literária do país, escritor e professor deixa as salas de aula: "Gostaria de ter sido meu aluno"

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“Antes de pensar em sucesso, pense em ser competente”. O conselho do escritor e professor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, reproduzido na abertura do livro “Escrever ficção”, não será mais repetido nas oficinas de criação literária da Escola de Humanidades da PUC-RS ou no mestrado e doutorado em escrita criativa do Programa de Pós-Graduação em Letras da mesma universidade. Depois de 50 anos de dedicação ininterrupta, ele decidiu deixar as atividades presenciais em salas de aula. “Teria permanecido não fosse minha saúde, que, nos últimos tempos, não é boa e, claro, será sempre pior”, ite, com franqueza, ao Estado de Minas.


Pioneiro no ensino da escrita criativa, o autor de romances como “Concerto campestre” e o recente “Leopold” criou em 1985 a mais longeva oficina literária em ambiente acadêmico do país. “Não sei se existe uma forma de ‘ensinar’ a escrita de ficção. Mas, se existe, a melhor pessoa para fazer isso é Assis Brasil”, afirmou a escritora Luisa Geisler na apresentação de “Escrever ficção”, publicado em 2019 pela Companhia das Letras e ainda a mais completa publicação de um autor brasileiro sobre os itinerários – e obstáculos – dos caminhos da criação. “Não apresento fórmulas, apenas ferramentas. Cada ficcionista encontrará suas próprias fórmulas, tendo cuidado para não ficar prisioneiro delas”, adverte.


Assis Brasil ganhou homenagem, na semana ada em Porto Alegre, durante lançamento de antologia de contos de escritores que participaram da 40ª turma da oficina de criação da PUC. “Foi comovente sentir-se tão querido pelos alunos”, contou ao Pensar, antes de revelar que segue escrevendo artigos e narrativas ficcionais: “Seguirei fazendo o que sempre fiz, menos as aulas.”


Leia, ao lado, a entrevista de Luiz Antonio de Assis Brasil ao Pensar.


O que foi mais marcante na homenagem que recebeu no lançamento da última antologia da oficina de criação literária?

A sensação de que algo terminava, mas sem nada para sucedê-la. Minha vida sempre foi em círculo de permanente volta; agora, é um fim. Já no plano pessoal, foi comovente sentir-se tão querido pelos alunos. Eu, entretanto, gostaria de poder responder como o professor do filme de Akira Kurosawa, quando os alunos, a cada ano, perguntavam-lhe se já estava pronto: “Mada dayo”! “Ainda não”!

Foram 50 anos de atividade ininterrupta como docente. O que acredita que conseguiu ensinar e o que aprendeu com seus alunos?

Antes de mais, o respeito à arte e à ciência, os caminhos da Humanidade. Nesses 50 anos, meus alunos sempre tiveram 20 anos, e só eu que envelhecia. Essa troca de experiências vitais, culturais e geracionais foi o melhor que me aconteceu, e me considero um agraciado pelas circunstâncias que levaram a isso.

Quais as questões mais recorrentes que identificou nos textos de seus alunos? E como tentou ajudar a superá-los em momentos de ime?



Nos últimos anos, houve uma derivação dos temas sociais (ou públicos) para as contemplações intimistas em primeira pessoa do singular, nas quais há uma forte presença do autor. Então surge um inesperado “eu”, que é a personagem e, ao mesmo tempo, a pessoa que escreve, estética consagrada pelo Nobel de 2022, dado a Annie Ernaux. Este quadro, que ei a encarar com naturalidade, deve ainda permanecer por algum tempo até, naturalmente, ser superado. Ao lado disso, e minha experiência com os alunos demonstra isso, tivemos o retorno de temas importantes, como o terror, o horror, a ficção especulativa.

Como a leitura de “Escrever ficção” pode auxiliar quem deseja se dedicar à literatura?

Poderá ajudar se o leitor tiver vocação, mais o sentido do trabalho constante como forma de conquista das técnicas e, por fim, a necessária memória pessoal para fazer uso dela.



O senhor já contou que, no início de sua trajetória como escritor, fez uma “oficina informal” com Autran Dourado ao ar uma tarde conversando com o autor de “Uma vida em segredo”. O que guardou desse encontro? E de outras conversas com escritores?



O grande mineiro Autran Dourado, além do alto escritor que foi, era um homem de extensa generosidade. Me acolheu, respondeu a todas minhas perguntas, demorou-se nos exemplos dele mesmo e dos colegas. Tinha, portanto, a vocação para ensinar – nocaso, os meandros da criação, que iam desde a construção da frase à composição das personagens e as intricadas questões estruturais. Penso que esse encontro com Autran foi o fato mais importante que me aconteceu durante minha formação de escritor. Aprendi com outros escritores, mas em menor grau, porque eram pessoas igualmente generosas, mas desorganizadas.



O que você chamaria de vocação literária? Acredita que seja possível realizá-la no Brasil?

Um pouco respondi acima, mas posso complementar dizendo que a vocação não se busca, mas quando a descobrimos dentro de nós, não conseguimos escapar dela. Sentir-se vocacionado é desejar ir além da fruição da leitura, é desejar conhecer seu mecanismo e as causas do seu encanto. Aprova da vocação acontece quando nos dizemos, a sério: “Esse livro é tão bom, que quero escrever algo igual”. Quanto ao nosso país, bueno, ele é fértil em todos os sentidos, inclusive para a vocação literária. Nossos dois problemas são as dificuldades econômicas e a consequente falta de profissionalismo.


Em “Guerra sem testemunhas”, ao destacar a paciência como um atributo para quem escreve, Osman Lins cita André Gide: “É uma virtude grande e rara a paciência, saber esperar e amadurecer, corrigir-se, voltar a recomeçar e, como dizia o Apóstolo, tender à perfeição.” O senhor também acredita que a escrita tem o seu tempo próprio?

A impaciência só ocorre aos escritores amadores. Os outros, esses, têm todo o tempo do mundo para atingirem algo que lhes satisfaça.



“E agora, o que faço de minha vida?” É a questão que atormenta Leopold, protagonista de seu mais recente romance. E agora, sem a atividade regular como docente, o que você fará de sua vida?


Seguirei fazendo o que sempre fiz, menos as aulas. O fato é que nessas três semanas de aposentado, não me entediei. Estou escrevendo mais uma narrativa longa, escrevendo minha coluna para o Rascunho (jornal literário) e alguns artigos encomendados. Mas com toda honestidade: eu gostaria de permanecer em sala de aula, não fosse minha saúde, que, nos últimos tempos, não é boa e, claro, será sempre pior. Vejo tudo isso com muita naturalidade, pois a velhice não me foi uma surpresa.

Qual lição gostaria de ter aprendido quando começou a escrever?

Eu gostaria ter sido meu aluno. Então escutaria: ouvir os outros sobre nossos textos não é um ato de humildade, mas de sabedoria.

Quais livros gostou de ler nos últimos meses? E quais gostaria de reler?

De um tempo a esta parte, já não sou novidadeiro a ponto de ler todas as excelências que são publicadas, todas destinadas a mudar a literatura mundial. Prefiro deixar que as carreiras se consolidem e, então, me animo a pegar um livro. E às vezes fico espantado – para o bem e para o mal. Então a releitura é o indicado e, além disso, é o atempo dos velhos, quando não se tornam ridículos. Nesse rol, há uma ponchada: “Pais e filhos”, “Viagem ao farol”, “Orlando”, “Hamlet”, “Os os perdidos”, “A náusea”, “A fogueira das vaidades”, “Lolita”, “O ser e o nada”... A lista pode ser ampliada pelo leitor, dentre o repertório de dois milênios de literatura produzida pela Humanidade.

'Leopold: uma novela'
"Leopold: uma novela" Reprodução

“Leopold: uma novela”
• De Luiz Antonio de Assis Brasil
• Editora Zain
• 296 páginas
• R$ 74,90

'Escrever ficção: um manual de criação literária'
"Escrever ficção: um manual de criação literária" Reprodução


“Escrever ficção: um manual de criação literária”
• De Luiz Antonio de Assis Brasil
• Companhia das Letras
• 400 páginas
• R$ 104,90

Roberto Taddei
Roberto Taddei Arquivo

“Ele é o grande patrono da escrita criativa no Brasil”

“Assis Brasil teve uma carreira muito longa e feliz como professor de escrita criativa, que soube trilhar junto à sua carreira longa e premiada como escritor. As duas carreiras indissociáveis, como ele demonstrou. Ele trouxe seriedade para o nosso campo de pesquisa e ensino, organizou a casa da Escrita Criativa no Brasil como nem Autran Dourado nem Affonso Romano de Sant’Anna tinham conseguido fazer antes, apesar do grande empenho dos dois. Foi Assis Brasil o primeiro a conseguir manter um trabalho consistente na área, e por quase quatro décadas. A PUC de Porto Alegre se tornou referência acadêmica na escrita criativa por causa dele. E influenciou definitivamente o ensino e a prática da escrita criativa em nosso país. Assis Brasil não é o pioneiro, mas certamente é o grande patrono da escrita criativa no Brasil.”

Roberto Taddei é escritor de romances como “A segunda morte” (Companhia das Letras, 2023) e coordenador dapós-graduação Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz

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