Câmara dos Deputados tem 1.457 projetos de lei que aumentam penas
Deputados federal apresentaram 578 propostas somente na legislação iniciada em janeiro de 2023, mesmo mês dos ataques de 8 de Janeiro aos Três Poderes
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Siga noEnquanto a Câmara dos Deputados discute anistia para todos os envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023, tendo como principal mote críticas às penas elevadas que vêm sendo impostas aos envolvidos, tramitam na casa ao menos 1.457 projetos de lei endurecendo punições para diversos crimes.
Levantamento foi feito pela reportagem do Estado de Minas com base nas ementas dos projetos de lei em tramitação revela que, somente nesta legislatura, iniciada em 2023, são 578 projetos de lei aumentando penas de prisão para, por exemplo, compra de votos, erro em pesquisas eleitorais, assédio no ambiente de trabalho, ataques a religiões, cultos e religiosos nas redes sociais, racismo em ambientes esportivos, misóginia e aborto, entre outros.
Os autores da maioria dessas propostas são parlamentares do PL, mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu em um inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sob acusação de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, deterioração do patrimônio tombado. As penas, somadas, podem chegar a 39 anos de reclusão.
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Em segundo lugar está o PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu presidente da República, em 2018, e que em 2022, foi incorporado pelo DEM. Na sequência estão as legendas União (123), PP (110) e PSD (102). Nem os partidos de centro esquerda escapam das propostas punitivistas. Na sexta posição estão o PSDB (97), o PSB (84) e o PT (78).
Projetos de lei na Câmara dos Deputados que pedem aumento de penas
- 2025: 85 propostas
- 2024: 229 propostas
- 2023: 264 propostas
Algumas das propostas preveem endurecimento de penas para os mesmos crimes cometidos pelos manifestantes do 8 de Janeiro, como pichação e depredação de patrimônio tombado. Caso por exemplo, do projeto do deputado Capitão Augusto (PL-SP) que propõe dobrar a pena, de três para seis anos, para quem pichar patrimônio histórico. Ele é o responsável pelo mapa que monitora e contabiliza os votos dos parlamentares favoráveis a um dos projetos de lei. São 11 ao todo, que prevêem anistia aos manifestantes que invadiram e depredaram os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do STF.
Outras propostas semelhantes à do capitão também tramitam no Congresso prevendo penas de até oito anos para casos como o de Débora Rodrigues, que pichou com batom a estátua do STF. A inscrição na estátua é apenas um dos elementos do processo. Ela é acusada também de depredação de patrimônio tombado, cuja pena máxima é de três anos, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado com violência e associação criminosa armada.
Animosidade e violência
Um outro projeto, de autoria do deputado federal Mário Heringer (PDT-MG), aumenta para até oito anos as penas para quem incitar animosidade entre as Forças Armadas ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade, crime também praticado pelos participantes dos atos de janeiro. O parlamentar é contrário à concessão de anistia.
Mas a grande maioria das propostas tem como alvo o aumento das condenações para crimes como assassinato e violência sexual – principalmente quando o alvo são crianças, adolescentes e mulheres –, roubo de celular e assalto. Há também um projeto de lei da deputada Carla Zambelli (PL-SP), que pode elevar para até 20 anos a condenação para quem pratica aborto em si mesmo ou em outra pessoa. A parlamentar está sendo julgada pelo STF por perseguir com arma em punho um homem pelas ruas de São Paulo. A Corte já tem votos para condenar a parlamentar a cinco anos de prisão, além da perda do mandato. O julgamento está suspenso por um pedido de vista.
Para Miriam Estefânia de Souza, presidente do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade e também articuladora da Frente Estadual pelo Desencarceramento, os diversos projetos aumentando as penas são uma contradição para quem defende anistia para os envolvidos no 8 de Janeiro. Segundo ela, as elevadas condenações impostas pela Justiça, não só no caso dos atos de vandalismo, poderiam muitas vezes ser substituídas por penas alternativas, mas a “sanha punitivista brasileira impede essa aplicação, lotando os presídios e transformando o país em uma das nações com o maior número de pessoas encarceradas do mundo”.
Em sua avaliação, a maioria dos presos de 8 de Janeiro foi “massa de manobra dos que realmente queriam dar um golpe de estado”. No entanto, ela lamenta que essa mesma preocupação dos deputados com os envolvidos nos atos de vandalismo não seja estendida às milhares de pessoas que cometeram crimes, muitas vezes semelhantes, e que “seguem presas em condições desumanas”.
Veja algumas das propostas para aumento de penas no Congresso
- Aumenta para até oito anos de prisão o crime de pichação, hoje a pena máxima é de um ano
- Estabelece pena de até dois anos de prisão para quem promover ataques em massa contra líderes religiosos ou fiéis, por meio das redes sociais
- Aumenta para até 12 anos as penas do crime de divulgação de pesquisas eleitorais, cujos percentuais das intenções de voto destoem, além da margem de erro, dos resultados apurados
- Estabelece pena de até 20 anos para que praticar aborto em si mesmo ou nos outros
- Aumenta a pena do crime de extorsão em caso de uso do pix e de estelionato praticado por meio de serviço de mensagens instantâneas para até 20 anos
- Estabelece pena de até cinco anos para quem impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso
- Estabelece pena de três a nove anos para registro, sem o consentimento prévio, em locais públicos ou privados, de partes íntimas de pessoas
- Aumenta para até 12 anos as penas previstas para os crimes contra a dignidade sexual cometidos em táxi e aplicativos de transporte
- Aumenta para até quatro anos a pena do crime de assédio sexual no local de trabalho
- Estabelece pena de até oito anos para crimes de racismo e preconceito em eventos esportivos
- Aumenta em até três anos a pena de injúria se ela for motivada misoginia
Estefânia defende que a comoção parlamentar em torno dos condenados pelos atos de janeiro seja usada para repensar o sistema punitivista atualmente em vigor. “Quem dera mulheres pretas, pobres e mães pudessem obter o mesmo benefício de prisão domiciliar que a moça do batom conseguiu ou até mesmo anistia”, afirma Estefânia, que faz questão de destacar que não é favorável ao cometimento de nenhum crime.
“Medidas populistas”
Para o vice-presidente da Comissão de Processo Penal da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais (OAB-MG), Bruno Rodarte, é mais fácil para os legisladores trabalhar medidas que, segundo ele, “visam somente o aplauso da população”, como o aumento de penas, do que debater projetos que busquem combater a criminalidade, promovendo a ressocialização das pessoas privadas de liberdade. “Os nossos legisladores buscam medidas populistas, como o aumento de pena, que são medidas rápidas que exigem apenas uma canetada para começar a valer e não demandam estudos para encontrar a causa da criminalidade e combatê-la”, analisa.
“Quem dera mulheres pretas, pobres e mães pudessem obter o mesmo benefício de prisão domiciliar que a moça do batom conseguiu”
Miriam Estefânia de Souza, presidente do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade
Segundo ele, a história já mostrou que aumentar penas, criar prisões e dificultar a soltura não resolve a criminalidade, apenas apenas agrava o cenário de reiteração criminosa, alimentando um “círculo desvirtuoso” de violência. “Quando mais eu acumulo mais pessoas atrás das grades, menor a chance de ressocializar quem está preso”
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Em sua avaliação, as penas do 8 de Janeiro, que têm chamado a atenção de boa parte do Congresso Nacional e também da população brasileira, poderiam ser usadas para debater o encarceramento no país, mas o momento de extrema polarização impede essa discussão. “O melhor dos mundos seria aproveitar a discussão do 8 de Janeiro para rever esse sistema, mas isso é impossível nesse momento polarizado. Então, as pessoas não conseguem perceber que as penas exorbitantes do 8 de Janeiro também são exorbitantes em muitos outros casos. Quando o chicote está apontado para o outro, maravilha, mas quando ele se vira para a gente ou para pessoas que a gente gosta e defende, os olhares são outros”.