ABORTO

PEC do nascituro marca dia de tensão e divisão na ALMG

Proposta de Bruno Engler reacende debate sobre aborto legal e gera reação de Bella Gonçalves e da oposição

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No dia em que o plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou em definitivo, adesão de Minas ao Propag, o que dominou as atenções no Plenário não foi o tema fiscal. O centro das discussões foi a Proposta de Emenda à Constituição nº 26/2023, de autoria do deputado Bruno Engler (PL), que propõe a inclusão dos direitos do nascituro na Constituição mineira.


A votação do projeto financeiro foi concluída, mas a pauta acabou sendo tomada por embates ideológicos envolvendo a chamada PEC do Nascituro, apelidada por setores da esquerda como “PEC do estuprador”, expressão que gerou reações duras por parte da bancada conservadora.


Embora tenha sido protocolada em setembro de 2023, a PEC voltou ao centro do debate na última terça-feira (27/05), quando foi pautada na Comissão de Constituição e Justiça. Na ocasião, a deputada Bella Gonçalves (PSOL) pediu vista do texto, o que adiou sua tramitação.


No mesmo dia, a proposta foi levada pela deputada Chiara Biondini (PP) à Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, onde a parlamentar afirma ter sido alvo de agressões verbais de uma assessora ligada ao vereador Pedro Patrus (PT) de Belo Horizonte. O episódio se tornou o estopim para uma série de embates em plenário.


Na quarta-feira (22), a base governista e aliados do PL se solidarizaram com Chiara e criticaram o que classificaram como “intolerância política”. Já a oposição reagiu, afirmando que o episódio estava sendo usado como cortina de fumaça para pressionar a tramitação da PEC.


No mesmo dia, a deputada Bella Gonçalves (Psol) subiu à tribuna e chamou o texto de “PEC do estuprador”. Segundo a parlamentar, a proposta ameaça o aborto legal, previsto hoje em casos de estupro, anencefalia ou risco de vida da gestante. A reação de Bruno Engler foi imediata. Do outro lado do plenário, o autor da PEC acusou a esquerda de “hipocrisia” e “canalhice”.


O que diz a proposta


A PEC nº 26/2023 pretende incluir na Constituição Estadual, o seguinte teor: “Ao nascituro é assegurado, sem excluir outros, o direito à vida, o direito à identidade genética, aos alimentos gravídicos, à imagem, à honra, assim como o direito de ter seus batimentos cardíacos escutados pela sua genitora”.


Na justificativa, o autor afirma que o objetivo é garantir o direito à vida desde a concepção, dar visibilidade ao “ser humano em formação” e despertar o “instinto materno”.


A palavra de Bruno Engler


Em entrevista ao Estado de Minas, o autor da proposta, o deputado Bruno Engler, afirma que o objetivo da PEC é deixar explícito, na Constituição mineira, o que ele considera um valor já consolidado na sociedade mineira: o direito à vida desde a concepção. “Sou um deputado pró-vida. O meu mandato foca muito nessa questão. Minas é um estado de pessoas muito tradicionais, a maioria dos mineiros é cristã, defensora da vida. Nada mais justo do que isso estar na nossa Constituição.”


O texto, segundo ele, não interfere no ordenamento jurídico nacional nem trata de criminalização. “A PEC não fala nada de estuprador, de criminoso, de agressor. É pra proteger o nascituro. É pra proteger a criança que ainda nem nasceu.”


Engler reagiu com indignação à fala de Bella Gonçalves, que classificou a proposta como “PEC do estuprador”. Para ele, a esquerda distorce o debate para proteger o criminoso. “A deputada mentiu. A PEC não fala em estuprador. Ela quer matar a criança e proteger o estuprador. Eu quero o contrário: proteger a criança e punir o estuprador. Eu defendo, inclusive, pena de morte para estuprador. Pena que a gente não tem isso no Brasil.”


O deputado também rebateu críticas sobre o uso político da proposta e a nacionalização do tema. Segundo ele, a esquerda é quem tenta desviar o foco do conteúdo da proposta para evitar o debate sobre a vida. “A esquerda é hipócrita. Quando a gente pede penas mais duras pra estuprador, eles são contra. Quando o Bolsonaro propôs castração química, o PSOL foi contra, dizendo que feria os direitos humanos do estuprador.”


Engler ainda citou o episódio envolvendo a deputada Chiara Biondini como prova de que, segundo ele, há um esforço para silenciar vozes conservadoras. “A Chiara foi ameaçada por uma assessora de vereador porque foi defender a vida. Falaram que iam bater nela, que ela ia engolir o microfone. E o que a esquerda fez? Tentou relativizar. Eles se dizem defensores das mulheres, mas só se a mulher for de esquerda.”


A visão de Bella Gonçalves


Também ao EM, a deputada Bella Gonçalves (PSOL) classificou a proposta como inconstitucional, moralista e perigosa para os direitos das mulheres. Para ela, a PEC tenta deslocar o debate jurídico para um campo ideológico, onde as consequências práticas seriam graves. “Essa PEC é ilegal. Minas não tem competência para legislar sobre aborto. O que eles querem é barrar o aborto legal previsto pela Constituição e pelo Código Penal”, afirmou.


Segundo a parlamentar, o texto atinge diretamente meninas e mulheres em situação de extrema vulnerabilidade, especialmente vítimas de violência sexual. “60% dos estupros no Brasil são cometidos contra meninas de até 13 anos. São elas que recorrem ao aborto legal pelo SUS, após traumas profundos. E agora querem negar a essas crianças o direito de interromper uma gravidez fruto de estupro. Isso é institucionalizar a tortura”, disse.


Bella também apontou que a proposta se insere em uma estratégia nacional da extrema direita, que vem replicando nas assembleias estaduais pautas morais com apelo bolsonarista. “A bancada do PL tem tentado transformar a Assembleia de Minas em um palco de guerra ideológica. Sempre fomos um parlamento que prioriza o bom senso e a gestão pública. Isso está sendo rompido por uma tentativa de nacionalização forçada.”


A deputada também criticou a forma como o tema foi introduzido na agenda política da Casa. “Essa proposta não tem relação com os desafios reais que as mineiras enfrentam todos os dias: fome, violência, falta de creche, ausência de assistência à saúde reprodutiva. Querem se apegar ao discurso da vida, mas se esquecem da vida concreta das mulheres pobres e negras deste estado.”


A análise da especialista


Para a advogada Michelle Higino, especialista em direito de família e presidente da Comissão de Inovação da OAB, a PEC proposta por Bruno Engler apresenta problemas legais e conceituais. Embora não a classifique como diretamente inconstitucional, ela considera o texto juridicamente frágil e com pontos que extrapolam a competência da Assembleia Legislativa.


“A gente está diante de uma tentativa de inserir na Constituição Estadual um conteúdo que tem repercussão federal. Temas como aborto e direitos do nascituro são tratados em âmbito nacional, pelo Código Penal e pela Constituição Federal. Não é atribuição dos estados legislar sobre isso”, afirmou.


Segundo a especialista, o problema não está apenas na iniciativa em si, mas também na forma como a proposta é redigida. “O inciso sobre identidade genética, por exemplo, é extremamente vago. O que significa isso juridicamente? Que tipo de direito está sendo reconhecido ali? Isso abre margem para confusão e insegurança jurídica.”


Michelle também alertou que a PEC se insere em um cenário político marcado pela polarização, o que desvia o foco do debate técnico. “Se estivéssemos falando só do ponto de vista constitucional ou penal, não estaríamos nesse tipo de discussão. O debate está sendo feito por um viés moral e ideológico.”


A advogada explicou que o aborto legal já é previsto em casos muito específicos e que não há brechas para interpretações que ampliem ou reduzam esses direitos sem uma reforma legislativa nacional. “O Código Penal delimita claramente as hipóteses: estupro, risco de vida da gestante e anencefalia. Fora disso, não há autorização legal.”

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Ela ainda criticou o uso simbólico da PEC, que pode parecer inofensivo no papel, mas gerar efeitos práticos e simbólicos importantes. “Falar que o nascituro tem o direito de ter seus batimentos cardíacos ouvidos pela mãe parece apenas uma questão de consciência, mas, na prática, pode representar uma tentativa de dissuadir ou constranger mulheres em situação de aborto legal. É uma proposta que atua no campo da subjetividade e da moral.”

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