Câncer: a cada 10 mulheres, 7 são abandonadas após descoberta
Remando na contramão da grande maioria dos casos, artesã encontra no parceiro apoio incondicional para enfrentar quatro diagnósticos nos últimos 11 anos
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Siga noPara além dos efeitos colaterais da quimioterapia e das incertezas do tratamento, muitas mulheres que estão enfrentando um câncer precisam ser fortes para lidar com outro fantasma cruel no pós-diagnóstico: a solidão. Dados da Sociedade Brasileira de Mastologia revelam que 70% das pacientes oncológicas lidam com o abandono do parceiro após a descoberta da enfermidade. Isso deixa claro que há falta de reciprocidade aos cuidados que elas dispensam aos seus maridos quando eles adoecem, demonstrando a faceta de uma sociedade ainda machista ou mesmo da fragilidade do relacionamento que se supunha ser sólido.
A psicóloga Natália Lopes acredita que essa postura masculina – entre outros motivos - pode ser fruto de um estigma social ainda dominante na sociedade. “O homem tem mais dificuldade de falar e lidar com alguns sentimentos que a descoberta da doença e o tratamento provocam. O parceiro também experimenta sentimentos de medo, insegurança e impotência diante do sofrimento que a paciente vivencia. Diferente das mulheres, os homens têm mais dificuldade de falar sobre o que sente, uma vez que a cultura, ainda machista, exige que eles não se mostrem vulneráveis. Há também um grande preconceito com relação à saúde mental e qualquer movimento de ajuda nesse sentido. Por isso, movidos, muitas vezes, pela inexperiência em lidar com todos os desafios que esse momento provoca no contexto familiar, acabam abandonando as parceiras.”
Ainda segundo a especialista, que integra a equipe da Cetus Oncologia, clínica especializada em tratamentos oncológicos, outro motivo que, em muitos casos, pode levar o homem a abandonar a mulher com câncer é a mudança drástica na relação conjugal imposta pela doença. “A sexualidade da mulher pode sofrer alterações ao longo do tratamento por questões clínicas e emocionais. Do ponto de vista emocional, podemos dizer que a paciente pode vivenciar impactos na autoimagem e autoestima, assim como alterações do humor, o que reflete na sexualidade e no relacionamento do casal. É importante que o parceiro compreenda esses aspectos e auxilie a paciente no enfrentamento desse momento no relacionamento.
É fundamental que o parceiro ao identificar dificuldade de lidar com todos os sentimentos que a doença e o tratamento provocam, também procure ajuda psicológica para trabalhar esses aspectos emocionais. É possível que, com isso, ele esteja mais preparado para auxiliar a companheira a enfrentar o câncer e toda a repercussão na vida familiar.
Quando o paciente é ele - a mulher sempre está do seu lado. “Quando o diagnóstico é dela, porém, na maioria dos casos, o e vem de outra mulher, seja a mãe, irmã, tia, amiga, isso quando não segue sozinha.”
Quando questionada sobre as orientações recomendadas para pacientes oncológicas abandonadas pelos parceiros, Natália é taxativa: apesar de o relacionamento ter terminado em um momento difícil e muitas vezes traumático, a vida da mulher continua, tem que continuar. “Ela precisa concentrar suas energias em outros aspectos. É lógico que o sofrimento e o luto são inevitáveis. Porém, ela não deve deixar de direcionar sua atenção para outras coisas, também importantes, para além do relacionamento, e tentar ressignificar esse momento. Nesse sentido, vale contar com uma rede de apoio sólida, como amigos/familiares e se preciso, e psicológico”.
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Na saúde, mas principalmente na doença
Remando na contramão da grande maioria dos casos, a artesã Joana D’Arc Thibau, de 48 anos, felizmente não faz parte das estatísticas de mulheres abandonas pelos parceiros logo após a descoberta do câncer. Nos últimos 11 anos, ela foi diagnosticada quatro vezes com a doença, um tumor do tipo lobular, que começa nas glândulas mamárias produtoras de leite. Em todas elas, sempre teve o apoio ir do marido, Júlio César Thibau, 54 anos, com quem está desde 2009.
“O apoio dele fez — e continua fazendo — toda a diferença na minha jornada. Embora eu seja uma mulher de muita fé, ter alguém ao lado, de forma literal e presente, é algo que fortalece demais”, revela acrescentando que mesmo antes de se casar com Joana – o casal juntou as alianças em 2015 - Júlio fazia questão de acompanhá-la nas sessões de quimioterapia. “Ele renunciava a qualquer compromisso, até de ir ao trabalho. Lembro-me, inclusive, de que minha mãe se ofereceu para que eu ficasse na casa dela durante o primeiro tratamento. Ele agradeceu, mas disse que era tarefa dele cuidar de mim”.
A artesã, que atualmente segue com um tratamento mais moderado, com poucos efeitos colaterais, faz questão de não romantizar o relacionamento, muito menos dizer que viveu em um mar de rosas desde o primeiro diagnóstico, em 2014. “ei por momentos difíceis, com uma carga emocional consideravelmente pesada e o Júlio, sentindo-se impotente, também teve sua carga pesada. Para lidar com essas intempéries, sempre procurei ter equilíbrio para não transferir tudo isso para ele, que sofreu muito, mesmo eu fazendo piadas com a situação. Acredito que se tivesse me colocado apenas no lugar de vítima, certamente o teria deixado sobrecarregado e extremamente estressado”, destaca pontuando que se o relacionamento não tem um alicerce ou se já estiver abalado, realmente não se sustenta.
Por fim, Joana acredita ainda que mesmo diante das incertezas de um câncer, o amor verdadeiro jamais vai embora, muito pelo contrário: soma forças na luta. “Eu já ouvi vários casos, durante as esperas pelas consultas nas clínicas por onde ei, de mulheres que foram abandonadas pelos parceiros nessas horas difíceis, o que é triste, lamentável, já que o amor não é e nunca foi feito só de dias bons. É muito fácil, por sinal, amar alguém com saúde, com uma vida financeira de sucesso. Mas o amor de verdade, aquele puro, que não exige nada em troca, só é possível conhecer nos momentos de tribulação. E isso não é frase de efeito. Eu vivencio isso. Com o Júlio pude experimentar e experimento, dia a dia, o amor na prática. Ele é, inegavelmente, o amor da minha vida e espero que a gente fique velhinho juntos."
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