Sob o calor escaldante do sertão goiano, corações errantes vão ao seu encontro. Motoristas enfrentam a estrada de terra ao som de Nelson Ned, que torna a letra de "Tudo ará" em síntese dos amores perdidos. Ao fim do percurso, a violência desafia a canção e ali permanece: dois homens disputam a mesma mulher.


Quase como fantasma, a Luiza de Tuanny Araújo deixa a tela poucos segundos depois de aparecer. Ela se recusa a estar com eles e a aridez do solo representa a dupla patética vivida por Ângelo Antônio e Babu Santana. No universo de "Oeste outra vez", essa gente vive assim. As palavras são mera formalidade e tudo se resolve na base da pistola.


É na desconstrução do faroeste que o diretor Erico Rassi encontra motivação para o seu segundo longa, vencedor do prêmio máximo no último Festival de Gramado. Se o gênero já abrigou foras da lei bons de gatilho e caubóis movidos por pura coragem, aqui a virilidade de galãs como Clint Eastwood está com os dias contados.


"Ainda que não esteja fisicamente presente, a Luiza inverte uma narrativa que define as mulheres como coadjuvantes. São os homens que orbitam essa ausência feminina. A mudança traz um vazio que flerta com os espectadores e as jornadas individuais dessas figuras", afirma Araújo. A atriz acredita nesse desconforto como elo essencial entre o público e a obra.


Quando Totó, interpretado por Antônio, pede ajuda a um lendário pistoleiro para ass Durval, papel de Santana, tem início um jogo tragicômico de gato e rato. Tiros fracassados voam pelas planícies secas e matadores de aluguel correm por todos os lados enquanto tentam disfarçar sua vulnerabilidade.


Rassi coloca o conto "Duelo", de Guimarães Rosa, e o cinema de John Ford entre as inspirações. Ele vê a transformação dos protagonistas encarnados por John Wayne como prenúncio da contemporaneidade que define os pobres coitados de "Oeste".


O cineasta retorna à mitologia de seu trabalho anterior, "Comeback", em que dirige Nelson Xavier como um matador aposentado que tenta retomar as glórias do ado. "Eu queria falar sobre esses homens brutos, violentos, mas que ao mesmo tempo são tão frágeis. E precisava inserir essa história no cenário de um western. Então, viajei para diferentes cidades do interior de Goiás, onde fiquei um bom tempo imerso e entrevistei muita gente", diz Rassi.

PARTIDA DE SINUCA

Santana relembra os bastidores de uma das cenas que envolve uma partida de sinuca. No projeto, o jogo simboliza as batalhas que persistem no imaginário masculino, e a dificuldade em acertar as caçapas ri dessa teimosia.


"Tinha um rapaz lá da sinuca que ficava perplexo com a presença das mulheres da equipe no bar. ‘Nossa, mulheres no bar, jogando sinuca, bebendo, se beijando’, ele parecia pensar. Comecei a estudar o olhar e o corpo dele. Fiquei impressionado com o quanto ele conseguia dizer sem falar", afirma ele.


Antônio Pitanga participa de "Oeste" como um senhor atormentado pela partida da esposa. Ele diz ter no filme seu primeiro papel em um faroeste verdadeiramente brasileiro.


"O filme mostra um oeste que não existe em nenhum outro lugar. Ele denuncia o homem que abandona a mulher em casa e vai beber com os amigos." (Davi Galantier Krasilchik)


“OESTE OUTRA VEZ”
(Brasil, 2024, 97 min.) Direção: Erico Rassi. Com Ângelo Antônio, Babu Santana, Antônio Pitanga e Rodger Rogério. Classificação: 14 anos. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 17h10).

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