9 em cada 10 pessoas se automedicam; entenda o problema
Prática cultural e amplamente disseminada, o uso de medicamentos sem orientação médica pode mascarar doenças graves, causar intoxicações e dependência
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Siga noA automedicação se tornou parte do cotidiano do brasileiro, mas os dados mais recentes apontam para um cenário preocupante: 9 em cada 10 pessoas com mais de 16 anos recorrem a medicamentos por conta própria, sem prescrição médica. É o que revela uma pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), em parceria com o Datafolha. O hábito, que já pode ser considerado uma crise de saúde pública silenciosa, envolve especialmente mulheres, jovens adultos e pessoas com maior nível de instrução, justamente os grupos que mais confiam em seu próprio julgamento ou nas orientações encontradas na internet.
Uma prática cultural enraizada
Segundo a farmacêutica e professora da Newton Paiva Wyden, Bárbara Gobira, a automedicação no Brasil é um comportamento impulsionado por fatores culturais, socioeconômicos e estruturais. "A cultura de buscar soluções rápidas para problemas de saúde sem pensar nos efeitos nocivos do uso indiscriminado de medicamentos faz com que a automedicação pareça uma alternativa mais conveniente, embora não seja segura", explica.
Esse comportamento é agravado por dificuldades de o a serviços de saúde, pela popularização dos medicamentos isentos de prescrição (MIPs) e pela banalização dos sintomas comuns.
Analgésicos, antitérmicos, antigripais e até substâncias para ansiedade e perda de peso são consumidos de forma autônoma, muitas vezes orientados apenas por vídeos e tutoriais encontrados na internet - meio utilizado por 68% dos entrevistados para buscar informações sobre saúde.
Os perigos por trás do alívio imediato
A automedicação pode parecer inofensiva, principalmente quando se trata de "remédios leves", como dipirona, paracetamol ou ibuprofeno. No entanto, os riscos à saúde são sérios e podem ser de curto, médio ou longo prazo: intoxicações, reações adversas, dependência, interações medicamentosas perigosas, agravamento de doenças, atraso em diagnósticos corretos e até resistência bacteriana.
"A falsa sensação de segurança associada a esses medicamentos faz com que os pacientes negligenciem sintomas que poderiam ser sinais de algo mais grave", alerta Gobira. "Um simples sintoma pode esconder uma patologia severa que será mascarada por um tratamento paliativo e, portanto, negligenciado".
Durante o outono e o inverno, quando gripes e resfriados são mais frequentes, o problema da automedicação se intensifica. O infectologista Cristiano Galvão chama atenção para os riscos: "As pessoas recorrem a antitérmicos e antigripais achando que estão tratando uma gripe, quando, na verdade, pode se tratar de uma arbovirose como dengue ou chikungunya. Sem diagnóstico correto, o tratamento é ineficaz e o quadro pode se agravar rapidamente".
Tal atividade também afasta o paciente dos serviços de saúde. Quando finalmente busca ajuda, o estado pode já estar agravado, o que exige internações e tratamentos mais complexos.
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Jovens, idosos e o impacto das redes sociais
Embora o uso excessivo de medicamentos também ocorra entre idosos, principalmente os que fazem uso crônico de várias substâncias, são os jovens os mais vulneráveis nesse cenário, muitas vezes induzidos por influência digital. "Vivemos em um mundo informatizado e globalizado, onde o consumo de medicamentos ou a ser moldado também pelas redes sociais", observa a farmacêutica.
Pessoas com maior o à informação, ironicamente, sentem-se mais capacitadas a decidir sobre sua própria saúde sem respaldo profissional. No entanto, cada organismo reage de maneira única a um mesmo princípio ativo. "O que funcionou para alguém na internet pode não funcionar para você - e ainda gerar um problema grave", reforça.
O papel essencial do farmacêutico
Um dos caminhos para combater essa epidemia silenciosa a pela valorização dos farmacêuticos como profissionais íveis e capacitados. Gobira destaca que o farmacêutico "deve ser integrado às equipes de saúde como figura fundamental na orientação sobre o uso seguro desses produtos".
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A farmacêutica também critica a proposta de vender remédios em supermercados, o que, segundo ela, aumenta o risco de automedicação. "A venda deve ocorrer em um ambiente de saúde, onde o paciente tenha o a um profissional capacitado. Colocá-los nas gôndolas de um supermercado pode ampliar o o, mas também os riscos".
*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino