
“Querido Papai Noel,
fui uma boa pessoa em 2021 e neste Natal não gostaria de enfrentar nenhuma situação gordofóbica na mesa com a família. É possível? Obrigada”
Não acredito em papai noel. Nem em antigordofobia. Mas, se assim o fizesse, este seria meu bilhete para o ‘bom velhinho’ neste ano. Acompanhado de um adendo pedindo para que todas as pessoas deixassem de ser negacionista e se vacinassem, mas, esse é um assunto para outra coluna, talvez. Hoje, queria pedir só um pouquinho de atenção aqui.
Isso mesmo, dá um close aqui e vem entender como não ser a pessoa inável do rolê no Natal e nas festas de fim de ano.
Nós já estamos cansades de saber que é muito 2008 - tô sendo generosa, porque na real é bem mais antiquado e demodê do que isso - fazer piadinhas sobre o corpo das outras pessoas, especialmente as pessoas gordas.
Não há mais espaço em 2021 para as piadas manjadas do tio do pavê e nem para os comentários maldosos da sua prima magra.
A época é marcada pela saudade do encontro, o medo de rever a família nesse ensaio de retomada dos eventos sociais na pandemia e o enfado da paucuzice familiar sobre os corpos dissidentes.
Por isso, segura aqui a primeira dica para não ser intragável na noite em que o paz deve reinar:
Pelo amor a Jesus Cristo, não falem sobre os corpos das outras pessoas durante a ceia. E nem fora dela, mas, sobretudo enquanto estiverem comendo. Já é um disparate que tenhamos muita comida à mesa enquanto 19,1 milhões de brasileiros não têm o que comer, então, tendo, não desperdice e também não fale sobre como isso vai te engordar.
Ninguém engorda tanto na noite de Natal a ponto de precisar começar uma dieta na manhã seguinte. Tampouco perde por desejar boas festas sem se olhar no espelho, segurar a barriga imaginária e comentar: ‘nossa, eu tô uma baleia’, ao lado da pessoa gorda.
As sugestões de bariátrica, drenagem linfática, dieta low carb e o vício inexplicável pela academia podem não ser o principal assunto entre uma colherada e outra de salpicão (com ou sem uva as) e os comentários sobre a eficácia do chá verde que desincha e da turma do crossfit.
Vamos, evitar, por favor, falar sobre os corpos alheios durante o Natal em família. Não é possível que você não consiga entabular uma conversa com seus pais, avós, tios, primos e amigos sem ser alimentando a indústria da pressão estética sobre os corpos. Me recuso acreditar que em pleno 2021 você não tem outro assunto mais relevante que os quilos na barriga de fulane.
E o mesmo vale para quem fica em casa, na outra ponta, sem estar ao redor da mesa com a família, mas tecendo os mesmos comentários maldosos nos grupos de WhatsApp ou nas redes sociais, transformando a existência da pessoa gorda numa verdadeira penúria durante a data, que deveria ser festiva.
Antes que digam “mas teve o ano inteiro, por que não emagrecer">que é o verdadeiro pavor do corpo gordo e a mais completa forma de maltratar quem não é magro.
Não seja essa pessoa. Não faça esse tipo de comentário/piada sem graça. Isso é violento. Já amos por tanta coisa para estarmos aqui, vivendo, neste Natal. Mais de 600 mil pessoas não conseguiram isso. Muitas famílias ainda lidam com a dor da perda dos seus entes queridos. Muita gente perdeu o emprego. Muita gente voltou a figurar no mapa da fome. Muita gente está desgraçada da cabeça. Foi um ano difícil. Não se cobre - e não cobre dos outros - tanto.
Muitos de nós vencemos a Covid-19 num ano num país cuja necropolítica é o que nos rege. Que tal só viver e ser um pouco melhor a partir de agora?
É exaustivo demais para quem é a piada. Anualmente, penso - e peço ao Papai Noel, do Céu, quem estiver me ouvindo para que seja o último a escrever e lidar com a gordofobia, que é, por vezes, o único exagero da data.
O que você pensa que é humor, é violência. O que você pensa que é comentário elogioso só te transforma numa pessoa chata. A grande pergunta é: por que você se sente melhor humilhando pessoas que estão fora dos padrões estéticos estabelecidos?
Esses comportamentos são catapultas para comportamentos autodestrutivos, induzindo as pessoas de distúrbios alimentares a suicídio.
Então, é Natal. Você não precisa ser uma pessoa gordofóbica. Você é melhor que isso. E tá tudo bem se você gostar/quer ser magro. Só não precisa ficar anunciando isso. Ninguém está interessado.
Agora, se o seu Natal for resumido pelo medo de engordar ou em fazer piadinhas com corpos alheios, você está doente e precisa de ajuda. Procure.
Dito isso, aproveita que é Natal e escreve para o Papai Noel, pede aquela dose extra de empatia para tratar com mais amor e humidade quem é diferente de você. Já pensou se dá certo e assim a gente consegue fazer um 2022 menos doloroso do que foi 2021?
Tô torcendo por você e pelo seu desejo!