postado em 11/10/2019 04:00 / atualizado em 14/10/2019 08:11
Reservatório de Vargem das Flores, o que tem menor volume acumulado na região metropolitana, exibe as marcas da estiagem (foto: Edésio Ferreira/Em/D.a press)
Com o fantasma da ameaça de nova crise hídrica se desenhando no horizonte da região metropolitana da capital e reservatórios que pela primeira vez no ano caíram abaixo da metade, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) autorizou liminarmente que a Copasa entre em imóveis particulares, na zona rural de Brumadinho, para instalar um novo sistema de captação de água no Rio Paraopeba. A obra ocorrerá acima do ponto em que a captação existente teve de ser interrompida, devido à contaminação do curso d'água por rejeitos de minério após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro. Segundo a ação judicial que permitiu o início das intervenções, os reservatórios que abastecem a região correm “risco iminente de entrar no volume morto em junho de 2020”.
O abastecimento da Grande BH depende de dois sistemas: o do Rio das Velhas, que supre cerca de 70% do consumo da capital e 50% das cidades do aglomerado metropolitano, mas não tem represas; e o Sistema Paraopeba, que dispõe de três reservatórios – Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores. Esse segundo complexo tinha reforço de água obtida na captação inaugurada no Rio Paraopeba no fim de 2015.
Com a interrupção dessa captação após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, o nível das três represas começou a declinar. Os volumes dos reservatórios somavam até ontem 137.698.530 metros cúbicos de água ou 41,75 milhões de metros cúbicos a menos do que na mesma data do ano ado, aproximando-se do volume armazenado no mesmo período de 2017, quando a captação no Rio Paraopeba operava normalmente e o sistema se encontrava em processo de recuperação.
Apesar do alerta contido na ação que permitiu o início das obras da nova adutora, a Copasa informou ontem, por meio de nota, que os mananciais que abastecem a Grande BH têm condições de atender à população. A empresa disse que monitora “permanentemente o volume dos reservatórios que compõem o sistema de abastecimento” da Grande BH e que somente após a chegada do período de chuvas será possível analisar se há ou não risco de desabastecimento. “A chegada do período de chuvas e os volumes de água que chegarão aos reservatórios e mananciais comporão os parâmetros sobre a recuperação de níveis de água que, associados à relação estoque/consumo permitem uma previsão mais correta sobre a segurança hídrica da região”, diz o texto. A empresa ressalta ainda a importância do uso consciente da água em qualquer estação do ano.
Segundo dados dos níveis de reservatório da Copasa, pela primeira vez neste ano o volume no conjunto de represas do Sistema Paraopeba caiu abaixo da metade, chegando a 49,9% da capacidade de armazenamento. Em termos de monitoramento mensal, esse é o menor percentual desde dezembro de 2017, sendo que em maio de 2018 o complexo atingiu o pico de 78,4% de acumulação.
ALERTA De acordo com Wilson Caetano de Souza, presidente do Comitê da Bacia do Rio Paraopeba, a implantação da nova captação de água no manancial é uma medida emergencial necessária para resguardar o abastecimento da população. Ele reforça, porém, que o trabalho deve ser conduzido com planejamento e transparência. “Isso vai aumentar o sacrifício do rio, mas, neste momento, é algo necessário. O que não pode acontecer é tomar uma medida que é emergencial como solução”, afirma.
Wilson pontua ainda que só aumentar os pontos de captação não vai efetivamente resolver o problema. “Entendemos essa medida como uma forma de garantir a segurança hídrica da população, mas é preciso mais que isso. Todo o entorno da bacia precisa de um plano de recuperação ambiental. Precisamos cuidar da nossa nascente, do nosso solo e das nossas matas. Sem isso não há água”, afirma. “Nossos rios estão morrendo, e a situação só vai se agravar enquanto não enxergarmos que a maneira como estamos conduzindo o problema não é a solução”, complementa.
NOVA CAPTAÇÃO Segundo a Copasa, o início das obras nos terrenos a serem desapropriados em Brumadinho depende de que a mineradora Vale deposite em juízo, previamente, o montante em que os bens situados na área foram avaliados, R$ 480.876,25. Nos casos em que for necessário demolir edificações e desalojar moradores, a Justiça também determinou que a Copasa obedeça o prazo de 30 dias para que os atuais proprietários – são cinco citados na ação – possam desocupar os imóveis. A área foi declarada de utilidade pública para fins de desapropriação de pleno domínio pelo Decreto Estadual 464/2019.
Em julho deste ano, a Vale firmou termo de compromisso, homologado pela 6ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, para construir a nova captação de água no Rio Paraopeba, instalada 12 quilômetros acima da atual, até setembro do ano que vem. Diante disso, a Copasa requereu a autorização da Justiça para iniciar os trabalhos. Segundo a ação judicial, a empresa ajuizou pedido de tutela antecipada perante os proprietários que teriam terras atingidas, sustentando que a regularidade do fornecimento de água ficou comprometida com a contaminação do Rio Paraopeba por rejeitos minerários.
A juíza Perla Saliba Brito, da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude de Brumadinho, considerou que os documentos comprovam os argumentos da Copasa de que a construção de nova captação no Rio Paraopeba é necessária e que a solução para a possível escassez de água potável na Grande BH pode ser prejudicada se houver demora. Procurada, a Copasa informou que ainda não há um cronograma para início das obras.
palavra de especialista
Marcos Vinícius Polignano,
presidente do Fórum Mineiro dos Comitês de Bacias Hidrográficas
‘Estamos arriscando todo o nosso patrimônio hídrico’
“Precisamos lançar um novo olhar em relação à gestão das águas. A água que corre nos rios é consequência e fruto daquilo que estamos fazendo nos nossos territórios. Sem cuidar dos solos, sem preservar as nascentes e sem áreas de matas protegidas, não há como ter água nas bacias. Estamos consumindo sem preocupação com a reposição. Exatamente por isso não há como discutir a gestão das águas sem discutir território. Estamos trabalhando na lógica de que, se acabou água aqui, podemos só pegar de outro lugar. Porém, não é assim que funciona na natureza. Se quisermos ter água de qualidade e em quantidade, teremos que fazer uma gestão ambiental integrada muito mais responsável e sustentável. Toda a água consumida pela população de Belo Horizonte, por exemplo, não é produzida na capital e vem de fontes que se encontram em outros municípios. De toda a água de chuva que cai na cidade, nenhuma gota fica nela ou é armazenada. Temos que mudar efetivamente essa lógica, sob o risco de que, nesse processo em que estamos, terminemos destruindo e secando os rios de Minas Gerais. Estamos arriscando todo o nosso patrimônio hídrico e, se isso não mudar, vamos cada vez mais ter o que eu chamo de rios de chuva, que é depender da chuva para manter o abastecimento. As chuvas renovam o estoque das águas, mas é o solo que as mantém e armazena.”