
Pessoas de diferentes faixas etárias reagem de maneiras diferentes a situações estressantes. Como cada um responde à pandemia pode depender da formação, da história de vida, das características particulares e da comunidade em que vive. A psicóloga Elena Sabino, especialista em crianças, comenta que, com o gradativo retorno das atividades coletivas, ela recebeu muitos pacientes que perderam habilidades sociais.
As crianças se tornaram resistentes a brincadeiras em grupo, pouco tolerantes às frustrações do convívio social e com pouco repertório verbal para argumentações do cotidiano. Já os adolescentes, segundo ela, têm estado mais ansiosos, intolerantes e preferindo o contato social virtual.
“Tive um aumento significativo na procura por orientação de pais e psicoterapia para crianças. Sem dúvida o maior fator gerador dessa maior busca por ajuda é a dificuldade de restauração do comportamento social. Meus pacientes estão mais ansiosos, trazendo mais medos e inseguranças, resistentes a readaptação à escola presencial e, muitos, com desenvolvimento pedagógico defasado” explica Elena.
De acordo com a psicóloga, para reverter esse panorama instalado com a pandemia, é importante poder falar dele sem que seja um tabu ou motivo de constrangimento. A ansiedade, esclarece ela, é uma reação natural e esperada do corpo frente a um perigo ou ameaça futura. A ansiedade patológica aparece quando o cérebro percebe o perigo onde não existe e não reconhece nossa capacidade de superação.

“Para uma melhora sustentável o primeiro o é ter um plano de tratamento. Usando ferramentas que tenham maiores chances de funcionar para as especificidades daquele quadro”. É buscar um profissional capacitado para o diagnóstico e o traçado de um projeto terapêutico na singularidade do paciente. “É possível reverter o quadro ansiogênico quando a escolha da técnica de tratamento é acertada”, relata.
A contadora Lucilene Faria, de 47 anos, viu seu filho manifestar mudanças drásticas e preocupantes de comportamento. Bernardo Faria, de 13, sempre foi um menino ativo, saudável e super sociável, que praticava esportes, tirava notas boas e era aluno destaque no curso de inglês, até a chegada da pandemia, quando a cabeça de Bernardo ficou “num completo caos”, disse Lucilene.
“Ele estava com 11 anos, na pré-adolescência, tinha acabado de mudar de escola, só teve 40 dias para se familiarizar e já foi para o ensino on-line. Parou de praticar esportes, perdeu o convívio com a maioria dos amigos, perdeu a babá que cuidava dele desde pequeno, viu o pai internado na UTI com caso grave da COVID-19, a avó morreu, enfim, foram muitas mudanças de uma vez só, aí ele começou a ganhar muito peso, ficou obeso e pré-diabético”, relata.
CHORAVA
Lucilene viu seu filho se tornar uma criança nervosa e ansiosa. “Ele gritava por tudo, chorava todos os dias, às vezes, mais de uma vez no dia. Ele ficou triste, totalmente desequilibrado”. Bernardo, aflito e assustado, começou a falar de morte o tempo todo e ficou extremamente preocupado com tudo e com todos. “Se meu filho visse alguém sem máscara, ele criava brigas enormes e desnecessárias, brigas sem fim”, explica Lucilene.
Bernardo começou a se tornar uma criança acuada e reclusa, não saia mais de casa para nada. A angústia era tanta que ele começou a ter reações físicas e deflagrava atos violentos contra si mesmo. “Meu menino adquiriu uma dermatite na mão, que não sarava com nada. Ele socava a barriga e falava que era gordo e feio. Batia no próprio rosto, começou a arrancar os próprios cílios e a falar em suicídio”.
Assustada e preocupada ao perceber a situação do filho e que não conseguiria ajudá-lo sozinha, Lucilene começou a buscar ajuda profissional, além de tentar manter um ambiente saudável e feliz em casa para que Bernardo soubesse que ele conseguiria superar as dificuldades ao lado dos pais e da terapeuta Elena Sabino.
“A Elena foi nossa salvação, não consigo nem imaginar como estaríamos sem ela. A terapia, para o Bernardo, foi como uma luz no fim do túnel. A cada sessão, pouco a pouco, ele foi se acalmando, se tornando mais equilibrado, mais realista e positivo. Foi nítida a mudança nas emoções, na ansiedade. Hoje, entendo que a terapia é uma despesa fixa e necessária no orçamento da casa”, declara a contadora.
O que funciona para sua família?
O maior segredo do sucesso é a constância. Segundo a psicóloga, há dias em que você vai achar que não evoluiu nada, em outros vai achar que já pode se dar alta e caminhar sem esse apoio. “Mantenha-se constante, partilhe suas aflições com o seu psicólogo e decida, junto a ele, o que é melhor para você ou seu filho”, comenta.
De acordo com Elena, o cenário de transtornos ansiosos e depressivos tem melhorado. Com a adesão à vacina, o vírus tem vindo acompanhado de sintomas mais brandos, na maioria dos casos, e à medida que a população tem contato com essa nova realidade, restabelece-se a confiança e a segurança emocional. Com maior frequência de notícias que trazem a sensação de estabilidade, com o retorno gradativo da economia e das atividades coletivas e escolares, também se fortalece a saúde mental.
“Para as famílias e crianças que chegam até mim, busco o reencontro com a funcionalidade. O que funciona para aquela família? Qual é a configuração de felicidade daquele grupo? É preciso olhar para um sujeito único e lembrar que o cuidado deve vir a partir da perspectiva de paz dele. E esse é meu maior objetivo: guiar as pessoas para encontrarem a própria referência de paz, amor e felicidade”, esclarece a especialista.
Um tratamento de sucesso, explica, a pela escolha de um bom profissional e pelo vínculo estabelecido com ele. Um planejamento terapêutico conduzido com participação ativa de todos. “Para a profissional, uma vida feliz requer investir na comunicação. Pessoas que buscam se conhecer, que veem os erros como oportunidade de crescimento e que estão inseridas em um ambiente coletivo estável têm as condições primordiais para uma saúde mental cada vez mais positiva.
“A pandemia nos fez recalcular rotas, ajustar os mapas e partir para um novo caminho. E por que não fazer com esse roteiro a melhor de todas as suas jornadas">(foto: Arquivo pessoal)
Palavra de especialista
Regina Montelli, psicóloga especialista em medicina comportamental, membro da clínica Núcleo de-Stress, que tem como objetivo promover o bem-estar e a qualidade de vida
O transtorno de ansiedade
“Indivíduos com transtornos de ansiedade geralmente apresentam sintomas físicos, cognitivos e emocionais, que prejudicam consideravelmente a vida social e a rotina. Os sintomas físicos incluem fadiga, tremores, problemas para dormir, dores de estômago, dores de cabeça e tensão muscular, bruxismo, respiração ofegante por exemplo. Estar com as emoções afloradas e se sentir mais irritado do que o normal, ar por constantes mudanças de humor, bem como ter ataques de euforia ou angústia, podem ser outros sinais de alerta. Os transtornos de ansiedade podem causar muitos efeitos desagradáveis. A boa notícia é que tem tratamento. Geralmente, os transtornos de ansiedade são tratados com uma combinação de terapia e medicação. Por isso é de extrema importância não subjugar esse transtorno e buscar ajuda o mais rápido possível”.