SÉRGIO ABRANCHES
Sérgio Abranches
SÉRGIO ABRANCHES

Desmontar não é flexibilizar

Eles não estão destravando o desenvolvimento, estão liberando as farras do boi, do trator, da escavadeira, do mercúrio, da sonda e rasgando a Constituição

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O Senado não aprovou na última quarta-feira (21/5) nem a flexibilização, nem a desburocratização do licenciamento ambiental. Os senadores aprovaram o desmantelamento do sistema federal de proteção ambiental. O desmonte restringe o papel das principais agências de proteção e fiscalização ambiental como o Ibama, o ICMBio, a Funai — esta já havia sofrido quase total demolição no governo Bolsonaro.


Enquanto os senadores aprovavam esse integral retrocesso, empurrando o Brasil aceleradamente para o ado, a página do Senado apresentava uma enquete online que dava bem o retrato do descolamento entre parlamento e sociedade. No plenário, o PL 2159/2021 ou com 54 votos a favor e 13 contrários. No da consulta popular online, eram 4.373 contra e apenas 323 a favor. Os senadores acompanharam a minoria representada por interesses de indivíduos e empresas que não desejam se enquadrar nas regras, nada radicais, do licenciamento que protege minimamente o ambiente e as pessoas de ações predatórias.

 


O projeto aprovado faz a festa de pecuaristas, mineradoras, petroleiras e empreiteiras. É um texto escrito para atender a cada um desses blocos de interesses, especialmente daqueles acostumados a operar na fronteira difusa entre legalidade e ilegalidade. Um limite esmaecido pela ação de agentes econômicos para os quais a regulação ambiental é um obstáculo, e pela omissão, em muitos casos conivência, de autoridades.


Dou um exemplo. Basta olharmos imagens de satélite de qualquer estrada na Amazônia que veremos um padrão comum, chamado de “espinha de peixe”. A espinha dorsal é a estrada e as espinhas representam o desmatamento e outras agressões ambientais atraídas pela estrada. Pela regra que o Congresso quer impor à sociedade brasileira, o licenciamento só pode considerar a pavimentação da estrada e deve fazer vista grossa para a destruição indireta causada pelas atividades estimuladas pela implantação da rodovia.


Se comparamos essas imagens com as de ferrovias, notaremos que nelas não encontramos a “espinha de peixe”. Elas não exercem a mesma atração para suas margens. O impacto das ferrovias é diferente. Outra barbaridade cometida pelo PL aprovado pelos senadores é dar tratamento igual para atividades e processos com impactos desiguais. Não devemos usar o verbo equívoco de flexibilizar. O inteiro teor do projeto promove a demolição da maior parte do sistema federal de proteção ambiental.


O projeto descumpre todo o capítulo VI da Constituição de 1988, “Do Meio Ambiente”. Fere todos os seus artigos, do 225 ao 232. Retira do sistema federal as obrigações e poderes a ele conferidos pelo artigo 225. Este diz que impõe-se ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. O artigo afirma que está no escopo da proteção exigir estudo prévio de impacto ambiental na forma da lei.

Mas a lei não pode contrariar os condicionantes da Constituição. Ela afirma ser dever do poder público controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que representem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. O projeto desprotege populações indígenas e quilombolas, que preservam grande parte da floresta amazônica e têm conhecimentos tradicionais que servem ao progresso com a floresta em pé.


O PL não libera a destruição só na Amazônia. Ele pode levar a novos desastres como em Mariana e Brumadinho, onde barragens inadequadamente fiscalizadas romperam matando pessoas e rios, destruindo culturas, moradias, cultivos e pequenas criações. Além do mau uso do verbo para definir o projeto, sua relatora, a senadora Tereza Cristina, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre ferem a verdade e o bom senso. Ambos falaram em “destravar o desenvolvimento”. Não é verdade. O licenciamento só trava quem age mal ou representa risco real.

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Se esses senadores estivessem mesmo interessados no desenvolvimento, buscariam meios de acelerar e viabilizar a implantação de um complexo bioindustrial na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado. Criar condições de pesquisa e desenvolvimento para o hidrogênio verde e outros meios de transição energética. Promover a entrada competitiva do Brasil no campo da inteligência artificial de fonte aberta.


O mal começou na Câmara. Voltou. Não se deve esperar que de lá saiam boas decisões. Eles não estão destravando o desenvolvimento, estão liberando as farras do boi, do trator, da escavadeira, do mercúrio, da sonda e rasgando a Constituição.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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