Clarice Lispector (1920-1977) viveu uma década no Recife, dos 5 aos 15 anos. Marcas de sua agem pela capital pernambucana estão no bairro da Boa Vista, na Zona Central: uma estátua da escritora foi postada há quase uma década na Praça Maciel Pinheiro, em frente ao casarão onde ela morou. Abandonado e bastante degradado, o imóvel está protegido hoje por tapumes.


Este cenário real, e tudo o que ele significa, está no cerne de “Lispectorante”, que chega nesta quinta (8/5) aos cinemas. O novo longa-metragem da diretora pernambucana Renata Pinheiro gira em torno de uma G.H., na verdade, Glória Hartman, interpretada por Marcélia Cartaxo. Diretora e atriz participam nesta noite de sessão comentada no Centro Cultural Unimed-BH Minas.


Divorciada, Glória retorna ao Recife natal para uma temporada com uma tia idosa. Sem dinheiro e sem rumo, a artista acaba descobrindo traços de Clarice em suas caminhadas diárias. Nas ruínas da casa onde a escritora morou, Glória entra em um mundo fantástico que vai mudar sua vida.


Presença forte

“Não trago nada de literal (dos textos) de Clarice. Mas ela é uma presença muito forte, que está nas entrelinhas. O filme é a artista Renata querendo uma aproximação com a artista Clarice, e também de uma mulher para outra”, comenta a diretora.


Marcélia Cartaxo foi a primeira opção da diretora. “Não tinha como não ser, pois ela também corporificou um personagem de Clarice (a Macabéa de “A hora da estrela”, filme de Suzana Amaral de 1985 que revelou a atriz paraibana para o mundo).” Antes mesmo de definir que trabalharia em cima do universo clariceano, Renata queria tratar de uma mulher madura.


“Sou de 1970. As gerações anteriores à minha não falavam de menopausa, por exemplo. Era como se o destino das mulheres fosse parar de viver. E só agora, com esse filme, a Marcélia (que tem 61 anos) foi ter um par romântico, uma paixão. Ela nunca tinha feito sexo no cinema, mais recentemente vem inclusive interpretado personagens mais velhas do que ela”, comenta Renata.


Ao redescobrir Recife, Glória acaba redescobrindo a si mesma. Em seu caminho, cruzam vários personagens, o principal deles Guitar (Pedro Wagner), um artista de rua por quem se apaixona. O longa ainda traz em papéis menores a mineira Grace ô e a cantora e atriz baiana Karina Buhr, criada no Recife.


“É um elenco com idades misturadas porque a vida é assim, menos complicada. Também acho que não se precisa fazer discurso sobre etarismo. Basta mostrar como as coisas podem acontecer de forma natural”, afirma Renata.


O elemento fantástico é uma constante na obra da diretora. Seu longa mais conhecido é “Carro rei” (eleito Melhor Filme no Festival de Gramado em 2021), com forte crítica social, em que o protagonista adquire o dom de se comunicar-se com os carros.


“Meus filmes tratam de uma realidade dura e opressora. A imaginação, o sonho, existem para a gente sobreviver. Incorporo o lúdico nos meus filmes para ser mais humana. (O elemento fantástico) Não é uma fuga. Acho que quem não sonha adoece e morre”, diz.


“LISPECTORANTE”
(Brasil, 2024, 93min.). Direção: Renata Pinheiro. Com Marcélia Cartaxo e Pedro Wagner. O filme terá sessão comentada pela diretora e pela atriz, nesta quinta (8/5), às 20h, no Centro Cultural Unimed-BH Minas. A partir desta sexta (9/5), segue em cartaz, às 18h30, no mesmo cinema. Estreia também no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 18h).

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